Um engenheiro da Caixa Econômica Federal (CEF), de 62 anos, entrou com um processo inusitado no Judiciário. Pediu para voltar a trabalhar presencialmente. Alegou que o home office lhe causou problemas psiquiátricos e ergonômicos e que já contraiu a covid-19. O pedido, porém, foi negado pela Justiça do Ceará. O juiz André Esteves de Carvalho, da 17ª Vara do Trabalho de Fortaleza, entendeu que a empresa deve zelar pela segurança de todos os funcionários e está cumprindo os protocolos ao manter em casa um trabalhador do grupo de risco. Hoje, cerca de 7,3 milhões de trabalhadores atuam de forma remota no país, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD- Covid), divulgada em novembro pelo IBGE.
O pedido chamou a atenção de advogados trabalhistas. “Essa é a primeira decisão que vemos com um funcionário que pede para o Judiciário obrigar o empregador a aceitar o retorno dele ao trabalho presencial. Até o momento tínhamos conhecimento apenas das muitas decisões abrangendo pedidos de afastamento do regime presencial”, diz Fabio Medeiros, sócio da área trabalhista do Lobo de Rizzo Advogados. No processo, o funcionário apresentou atestados médicos para comprovar que, desde junho do ano passado, vem sofrendo problemas de saúde, como dores fortes na coluna vertebral e depressão, que o afastaram do trabalho por determinados períodos. Ele atua na gerência executiva de habitação do banco, em Fortaleza. Na decisão, porém, o juiz afirma que, ainda que o trabalhador assuma os riscos, o retorno às atividades presenciais não poderia ser aceito, uma vez que o direito à vida é indisponível, nos termos previstos na Constituição Federal de 1988 e nas normas internacionais de direitos humanos.
O magistrado lembrou, na decisão, que foi firmado um protocolo de intenções entre o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Federal (MPF) e a Caixa Econômica Federal para a adoção de boas práticas na prevenção de contaminação da covid-19. “Assim, ao tratar de suas normas internas, a instituição bancária deve pensar não só na saúde de seus funcionários, mas também na de terceiros”, afirma o juiz (processo nº 0000898-44.2020.5.07.0017). Para ele, ainda que o trabalhador já tenha superado a covid-19, “não é fato que, por si só, o afaste de qualquer risco, devendo continuar classificado como grupo de risco, ressaltando-se que, mesmo que a pessoa já tenha sido vacinada com qualquer das vacinas existentes no mercado, não existe prova concreta de que não possa ser (re) infectado pelo vírus covid-19”. Por fim, destaca, na decisão, que o retorno ao trabalho não é única “cura” para esse funcionário “sendo plenamente viável a adaptação, com a prática de demais atividades de uma vida normal”. Para ele, o novo normal não agrada a todos, “mas deve ser respeitado”. E “a empatia de toda a sociedade será necessária para superarmos esse marco histórico”.
A decisão, segundo advogados, é acertada. “Embora o funcionário já tenha sido contaminado pela covid-19 e esteja sofrendo pressão psicológica e ergonômica, o empregador precisa pensar sempre na coletividade”, diz Fabio Medeiros. Para ele, a decisão reforça que é responsabilidade da empresa zelar pela saúde e integridade dos empregados. “O funcionário pode ser novamente acometido pela doença e contaminar outros.” A advogada Ester Lemes, do Palópoli & Albrecht Advogados, afirma que durante a pandemia o teletrabalho é indicado sempre que a atividade possa ser realizada de casa. “A empresa está seguindo as medidas de segurança indicadas pelos órgãos competentes e assegurando a saúde dos seus empregados e de terceiros.”
Carla Romar, do Romar, Massoni & Lobo Advogados, entende que eventual decisão sobre o retorno ao trabalho presencial é do empregador. “Até porque será de responsabilidade da empresa, caso haja contaminação”, diz. Sobre os problemas de saúde do trabalhador, Carla afirma que o empregador deve cuidar da questão da ergonomia no ambiente de trabalho, fornecendo orientações, equipamentos necessários para o home office e até dispor, se for o caso, de ginástica laboral on-line. “Mas a empresa não poderia ser responsabilizada por problemas psicológicos causados pelo distanciamento social e do isolamento, algo que todos estamos vivendo.” Em nota, a Caixa Econômica Federal informou que “reitera seu estrito respeito às decisões judiciais”. O Valor não conseguiu localizar o advogado do funcionário.
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