Invasão do Congresso choca os EUA; Biden fala em ataque à democracia

Apoiadores do presidente Donald Trump invadiram ontem o prédio do Congresso dos EUA, num cenário caótico, forçando parlamentares a se esconder e suspendendo o debate sobre a certificação da vitória presidencial do democrata Joe Biden. A capital americana foi colocada sob toque de recolher. As imagens da violência chocaram o país e o mundo. A sessão conjunta da Câmara e do Senado foi encerrada por volta das 14h, depois que manifestantes invadiram o Capitólio, quebrando janelas e ameaçando funcionários e a segurança. Congressistas e o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, foram evacuados. O deputado democrata Dean Phillips gritou para os republicanos: “Isso é por causa de vocês!”.

Os apoiadores de Trump podiam ser vistos caminhando pelos corredores ao lado de portas fechadas, carregando bandeiras e gritando obscenidades. Eles invadiram gabinetes, inclusive o da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi.

Houve disparos de armas de fogo dentro do prédio do Congresso e uma mulher, aparentemente uma manifestante, foi baleada e acabou morrendo no hospital. Não estava claro na noite de ontem se havia mais feridos. Horas depois que a violência irrompeu, pressionado por congressistas dos dois partidos, Trump conclamou seus apoiadores a irem para casa, enquanto os chamava de “muito especiais” em vídeo divulgado no Twitter. “Essa eleição foi fraudulenta, mas não podemos jogar o jogo dessas pessoas. Precisamos de paz”, disse o presidente. Ele pediu que os manifestantes respeitassem a polícia, mas não disse nada sobre respeitar os congressistas. Ontem à noite, o Twitter suspendeu a conta de Trump por 12 horas, por incitar a violência.

Durante a invasão, Trump foi fortemente criticado por congressistas de seu partido. Em entrevista por telefone à CNN, um deputado chegou a acusar o presidente de covardia, por demorar a pedir que os manifestantes se retirassem e por se recusar a aceitar o resultado eleitoral. O presidente eleito, Joe Biden, denunciou energicamente a invasão do Congresso, classificando-a de um ataque sem precedentes à democracia dos EUA que “beira a sedição”. “Não há nada de patriótico no que está ocorrendo no Congresso.” O senador republicano Marco Rubio postou no Twitter: “Isso é uma anarquia antiamericana ao estilo do Terceiro Mundo”.

O caos sem precedentes aconteceu no dia em que aliados republicanos de Trump tentavam contestar os resultados da eleição em vários Estados americanos. Isso foi parte de uma pressão de última hora – fracassada – para tentar manter Trump no cargo após dois meses de esforços para convencer autoridades e tribunais estaduais a reverterem sua derrota nas urnas. Os aliados de Trump estavam recorrendo ao Congresso para tentar anular votos em vários Estados, durante a sessão conjunta do Congresso. O esforço para reverter o resultado eleitoral expôs um racha no Partido Republicano e uma forte intensa polarização no país.

“Jamais desistiremos, jamais cederemos”, disse Trump a apoiadores reunidos no parque Ellipse perto da Casa Branca, no meio da tarde de ontem, antes da invasão do Congresso, enquanto ele pedia ao vice-presidente Mike Pence e aos republicanos que trabalhassem para reverter o resultado da eleição e encorajava os manifestantes a marcharem para o Congresso. “Não dá para ceder quando há roubo envolvido.”

Antes disso, Pence já havia dito que não tinha autoridade para derrubar a vontade dos eleitores, rejeitando a pressão de Trump. “A Presidência pertence ao povo americano, e apenas a ele”, escreveu Pence. “É minha conclusão que meu juramento de sustentar e defender a Constituição me impede de reivindicar autoridade unilateral para determinar quais votos do Colégio Eleitoral devem ser contados e quais não devem.” Antes que o debate no Senado fosse interrompido, o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, repreendeu fortemente o presidente e disse que “se esta eleição fosse derrubada por meras alegações do lado perdedor, nossa democracia entraria em uma espiral mortal”.

As autoridades municipais sabiam que havia risco de violência, em uma repetição dos distúrbios de encontros anteriores a favor de Trump, mas aparentemente não esperavam algo tão dramático como a invasão do prédio do Congresso. Enquanto o debate se desenrolava nos plenários da Câmara e do Senado, uma multidão invadiu o Cannon House Office Building, edifício que abriga os escritórios da Câmara, o que levou a polícia a ordenar uma evacuação.

“Para aqueles que invadiram o Congresso – estou no plenário da Câmara e não serei impedido de manter meu juramento à Constituição, sob os olhos de Deus, por exigência da turba”, tuitou o deputado republicano Chip Roy. Os 50 Estados e o Distrito de Columbia validaram seus resultados eleitorais em dezembro. Normalmente, o processo de homologação dos votos do Colégio Eleitoral no Congresso, duas semanas antes da posse, é pouco mais que uma cerimônia de rotina, que dura menos de meia hora. Mas ontem a expectativa era de que dezenas de republicanos na Câmara e 13 no Senado contestassem a validação dos votos de ao menos três Estados: Arizona, Geórgia e Pensilvânia. Mas era esperado que as contestações não seriam aceitas nem na Câmara, controlada pelos democratas, nem no Senado, ainda com maioria republicana. Agora, após os protestos, é i provável que a contestação do resultado continue.

Ontem à noite, a presidente da Câmara, Pelosi, disse que os congressistas retomariam a homologação do resultado eleitoral, assim que o prédio Congresso fosse liberado. Ela disse que a decisão foi tomada após consultas com outros líderes do Congresso e ligações para o Pentágono, Departamento de Justiça e o vice-presidente Mike Pence. “Sempre soubemos que essa responsabilidade nos levaria noite adentro. A noite ainda pode ser longa, mas temos esperança de uma agenda mais curta, mas nosso propósito será alcançado”, disse Pelosi em um comunicado.

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