Mais de um ano após a pandemia, e com algumas organizações optando por aderir ao modelo totalmente a distância, é o trabalho híbrido, mescla entre presencial e remoto, que aparece como a tendência mais forte em todo o mundo no possível retorno aos escritórios. A decisão de segui-lo, no entanto, não surge apenas da cúpula das organizações. Profissionais que experimentaram o home office, mesmo que emergencial e improvisado, consideram ter dois ou três dias trabalhando de casa um avanço e um legado da pandemia dos quais não querem abrir mão. Alguns estão dispostos, inclusive, a trocar de emprego para manter essa prerrogativa.
A pandemia, na verdade, derrubou vários tabus sobre as relações de trabalho dentro e fora das empresas. O chamado WFA (Working From Anywhere), ou o trabalho de qualquer lugar, ganhou espaço no desenho das organizações e começa a mudar a lógica das carreiras para o futuro. O que era uma prática mais restrita aos profissionais de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg começa a valer para outras profissões. “As empresas passaram a contratar pessoas de qualquer lugar, com experiências distintas e isso acaba ajudando as suas políticas de diversidade”, diz Rafael Souto, CEO da Produtive Conexões e Carreira. “Antes a pergunta era se a pessoa tinha mobilidade para atuar em outro lugar, agora a pergunta é se a vaga tem mobilidade”, relata.
A possibilidade de atuar em companhias de outros países, seja por projeto ou até contratado, sem sair do computador de casa ampliou a oferta de trabalho para profissionais qualificados. “Antes um país podia se importar em trazer profissionais de fora porque eles competiriam com a sua mão de obra, usariam seu sistema de saúde e outros recursos locais, essa nova lógica do trabalho remoto muda isso”, diz Souto. “O risco para o Brasil é que os melhores talentos passem a trabalhar para fora se não encontrarem por aqui um gestor preparado para atuar nesse novo momento do trabalho”, diz Ana Paula Arbache, CEO da HRtech Arbache Innovation e facilitadora de cursos na Edtech Global Alumni, parceira do MIT.
Para reter e serem mais atrativas para aqueles que consideram talentos, as empresas vão ter que realinhar suas práticas de gestão dentro de um novo desenho organizacional mais ágil e menos hierárquico. “O momento pós-covid vai exigir da empresa um trabalho de articulação mais amplo e horizontal para que o grupo pense de uma maneira mais estruturada e cadenciada como caminhar. A nova dinâmica do trabalho vai demandar ações rápidas”, diz Oliver Kamakura, sócio de consultoria em gestão de pessoas da EY Brasil.
Especialistas ouvidos pelo Valor falam sobre o crescimento de carreiras fluidas, onde a questão central deixa de ser o cargo que o profissional ocupa e passa a ser o seu potencial de contribuição para determinado projeto ou atividade da companhia. A inteligência coletiva tende a ganhar espaço em prol da agilidade e da inovação. “Para que ela aconteça, vamos precisar mudar a rota de competências, cargos e salários”, diz Ana Paula Arbache. O ganho de eficiência vai estar alinhado com o que as empresas vão priorizar em seu estoque de talentos. “Não adianta contratar só pessoas de marketing para aumentar o ‘business intelligence’, porque vai ser preciso ter também mais estatísticos”, diz a consultora. A tendência é que as áreas de atuação dos profissionais se mesclem cada vez mais daqui para a frente. “O conhecimento do comportamento humano de um psicólogo pode ajudar a construir games melhores, essa é nova lógica do trabalho”, assinala a professora Tania Casado, diretora do escritório de desenvolvimento de carreiras da USP.
O desenho de competências e salários para determinado cargo, tarefa que estava sob responsabilidade da área de recursos humanos, tendo em vista uma nova configuração do trabalho pós-pandemia, deve passar a ser uma atribuição de cada gestor. “O job design será uma função importante, porque vai ter que incluir nessas atribuições, inclusive, o que será feito pelas máquinas e o que vai ficar com os humanos”, diz João Lins, diretor-executivo da FGV in Company. “Como um técnico de futebol, o gestor vai ter que pensar como a equipe vai operar melhor, cinco humanos e cinco robôs, por exemplo.” A previsão do Fórum Econômico Mundial no “The Future of Jobs Report” é que até 2025, 48% do trabalho no mundo será feito por humanos e 52% por máquinas. O avanço do uso da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e da inteligência artificial ganhou tração com a pandemia e acelerou o que se convencionou chamar de transformação digital em todo o mundo. Isso intensificou a preocupação das companhias no país em buscar soluções rápidas para o gap de conhecimentos de seus profissionais. O chamado upskilling, aprimoramento das habilidades dos empregados, que já estava em curso, ganhou novo impulso, mesmo com a limitação do ensino a distância. Nas grandes empresas, foram adotadas formas criativas de treinamento, que incluíram games, atividades coletivas on-line, entre outras inovações.
Embora tenha havido esse maior empenho no treino da força de trabalho, Ana Paula Arbache, pós-doutora em educação, afirma que a situação da maior parte dos profissionais brasileiros é crítica em relação às competências esperadas para o século XXI, que incluem o pensamento complexo, cruzar variáveis e tomar rumo em um ambiente incerto. “No Brasil, somos presos em uma grade curricular onde as disciplinas não se conversam, o que prejudica a nossa formação cognitiva”, diz. “Não adianta a empresa dar um treinamento raso, leve, porque o cérebro precisa ganhar insumo para pensar. É como se ele fosse a um supermercado e as prateleiras estivessem vazias. Não adianta forçar as pessoas a serem criativas e inovadoras, sem preencher esse vazio.” Na pandemia, uma das grandes preocupações das empresas em um primeiro momento foi justamente a perda de produtividade pela falta de habilidades digitais de seus profissionais para lidar com questões básicas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, como reuniões pelo Teams ou Zoom. Essa percepção negativa, porém, caiu por terra em poucos meses. Um estudo da EY realizado em janeiro deste ano, intitulado “Trabalho Reimaginado – As novas formas de trabalhar”, que ouviu mais de 2 mil pessoas em sete países da América Latina, incluindo o Brasil, mostra que tanto empregadores quanto empregados viram a produtividade aumentar no último ano e que a https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg não foi o grande impedimento para eventuais oscilações em suas entregas.
Uma surpresa no estudo da EY é que entre as diferentes gerações, as que menos se sentiram produtivas na pandemia foram justamente as que supostamente reúnem mais habilidades digitais. Entre os mais jovens, das chamadas gerações Y e Z, 61% admitiram que sua produtividade aumentou no home-office, enquanto entre os mais experientes esse percentual sobe para 75%. “Embora muitos sejam nativos digitais, o impacto da capacidade de concentração em um modelo em que liberdade e autonomia são as normas teve um impacto maior sobre eles”. Para os mais novos, a falta de repertório para lidar com as nuances da política organizacional, principalmente no trabalho remoto, se transformou em uma fonte de estresse e ansiedade.
Mas eles não são os únicos atingidos, os altos índices de burnout e problemas relacionados à saúde mental no trabalho, refletem a fragilidade das relações a distância e muitas vezes a inabilidade dos gestores em se comunicar de forma eficaz. Uma pesquisa realizada em março, pela Fundação Dom Cabral, Grant Thornton e Lyon Business School com 1.075 profissionais brasileiros indica os principais obstáculos do home office enfrentados neste um ano de pandemia. Um quarto deles indicou “maior volume de horas trabalhadas” e 16% apontaram “dificuldade de relacionamento” e “dificuldade de comunicação”. Para 14% dos respondentes, o “equilíbrio com demandas pessoais” é também uma das questões presentes. “Não parece que as empresas estão lidando de forma correta com essa questão oferecendo aulas de ioga e mindfulness. A origem do problema está no trabalho, o empregador precisa revisitar o modelo de gestão e de governança no modelo remoto. Jornadas que começam às 7h00 e terminam às 22h30 não são sustentáveis” diz Kamakura da EY. O melhor manejo das equipes virtuais, com mais feedback, alinhamento de expectativas, além da criação de novos vínculos para fortalecer a cultura organizacional são ações esperadas do gestor pós-pandemia. Cabe a ele também buscar um maior equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho para ele e suas equipes. O mundo descrito pelo acrônimo VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) ganhou outras dimensões no último ano. Agora o acrônimo mais usado na gestão é o BANI (em inglês brittle, anxious, nonlinear, incomprehensible), que em português poderia ser traduzido como frágil, ansioso, não-linear e incompreensível.
O líder vai precisar ter humildade e assumir a sua vulnerabilidade para ajudar as pessoas a construírem soluções em conjunto. “Ele vai ser o conector”, diz Kamakura da EY. Mas a mudança de atitude não está restrita ao alto escalão. “Como funcionários somos condicionados a enxergar o chefe como aquele que sabe mais, então também vamos ter mudar essa percepção”, diz Souto, da Produtive. Liderar em organizações mais fluidas e menos hierárquicas, onde nem todos estarão sob o regime da CLT, vai exigir um conjunto de novas habilidades para quem estiver no comando, que mesclam conhecimentos hard e soft. “Saber se comunicar a distância e distribuir tarefas com mais agilidade é uma delas”, diz João Lins, da FGV. Mas para isso será necessário ter destreza digital, entender as tendências da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg para redesenhar processos e dirigir melhor as pessoas. “Essa fluência no novo idioma global que é a https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg não depende da idade e hoje está ao alcance de qualquer um ”, diz.
O aprendizado contínuo é a palavra-chave para o profissional em qualquer ponto da carreira e em qualquer lugar que ele ocupe nesse novo ecossistema de trabalho que está sendo arquitetado. No início da pandemia, com o home office, houve uma grande preocupação dos profissionais em usar o tempo economizado em deslocamentos até o trabalho para investir na própria formação. Para o pós-pandemia, a pesquisa da EY mostra que 83% dos empregadores acreditam que o aprendizado contínuo terá um amplo impacto na agenda de negócios e 72% dos funcionários acreditam que vão ter acesso a conteúdos relevantes e receber treinamentos. É consenso entre os especialistas que essa disposição para aprender é algo que precisa ser preservado, dentro e fora das organizações, mesmo quando já existem sinais de cansaço por parte dos profissionais pelo confinamento. “As pessoas precisam viver em constante aprendizado para estarem aptas a ocupar novas posições que vão estar surgindo”, diz Tania Casado, da USP.
Profissionais mais atualizados e que já tinham essa preocupação, de fato, ganharam mais espaço na pandemia em empregos formais ou como freelancers. “Quebrou-se o paradigma de que era complicado contratar profissionais por projeto. Muitas empresas tiveram que buscar conhecimentos e técnicas novas que não encontraram em seus quadros para trabalhar no modelo ágil, em squads”, diz Cai Igel, CEO da Alstra, plataforma criada em 2019, que conecta profissionais independentes a grandes empresas no Brasil, Chile, EUA e Portugal. Ele conta que esse mercado temporário está superaquecido desde o ano passado. A Alstra, por exemplo, registrou um aumento na demanda entre 30% e 40% ao mês na busca de profissionais para atuar por projeto. Foram 280 contratações intermediadas em 2020. A maior parte dos profissionais que conseguiram um contrato temporário é da área de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, como os cientistas de dados, mas Igel conta que pessoas de outras áreas da administração, como a de gestão de riscos, passaram a ser buscadas depois da pandemia.
Não há predominância de jovens entre os profissionais intermediados pela plataforma e a procura está nas duas pontas da carreira. “Temos muitos jovens com 22 anos e profissionais com 65 anos”, diz. Ele diz que os jovens saem da faculdade e não querem trabalhar do modo tradicional, por isso buscam experiências diferentes em novas carreiras. O fato de a barreira geográfica ter sumido com a ampliação do trabalho remoto tem ajudado a fomentar a Gig Economy. Mas quem se aventura nesse mundo do trabalho sem vínculo CLT, ainda tem muito o que aprender sobre o gerenciamento do próprio trabalho. “As pessoas têm muita dificuldade em precificar o trabalho e colocam um valor para o que fazem abaixo do que deveriam”, diz Igel. Outra preocupação sobre o trabalho freelancer é que a corrida atrás de um trabalho, em diversas frentes, pode consumir muita energia e liberar pouco tempo para que o profissional invista na atualização de suas competências. “As empresas vão ter que ajudar criando ambientes gratuitos de aprendizado, porque vão precisar contar com essas pessoas. Isso é ter senso de comunidade”, diz Ana Paula Arbache.
VALOR ECONÔMICO