Home office elimina fronteiras e pode ser nova estratégia de crescimento

Se o trabalho é remoto, ele pode ser feito de qualquer lugar —cidade, estado ou país. Com a expansão da modalidade impulsionada pela pandemia, contratações a distância devem aumentar e modificar não só o mercado de trabalho mas também as estratégias de desenvolvimento nacionais.

Alguns países têm inclusive liberado vistos temporários específicos para trabalhadores remotos, caso das Bahamas, como forma de compensar a queda no turismo.

A tendência é anunciada por especialistas desde a revolução digital dos anos 1990, mas ainda não havia decolado como previsto. Embora o valor das exportações de serviços esteja crescendo mais rápido do que de mercadorias globalmente, ele ainda é inferior.

Mas com a adaptação forçada ao trabalho remoto durante a quarentena, novas ferramentas corporativas virtuais e a perspectiva de introdução do 5G, caem algumas das principais barreiras que travavam esse cenário: a reticência das empresas e as limitações tecnológicas.

A avaliação consta no relatório “Um Novo Mundo de Trabalho Remoto”, elaborado pelo programa Futuro do Trabalho da Universidade de Oxford em parceria com o Citi. Para os pesquisadores, as economias emergentes devem a partir de agora mirar mais no exemplo indiano do que no chinês para crescer.

Segundo o economista Carl Benedikt Frey, que chefia o programa, foi a aposta nos serviços que levou à expansão da classe média indiana. Para além dos call centers, a Índia se destaca também na exportação de serviços corporativos terceirizados (como contabilidade, recursos humanos, TI e serviços legais).

O relatório reconhece que o caso indiano é favorecido pelo bom nível educacional da população e o domínio do inglês, mas aponta que outros países com características distintas também têm tido sucesso.

Um exemplo é o das Filipinas. O país criou em 1995 zonas econômicas especiais com incentivos fiscais voltadas para call centers. A iniciativa acabou atraindo diversas multinacionais, como Accenture, Dell, Oracle e JP Morgan, que montaram escritórios de serviços no país para reduzir seus custos.

Apesar dessa facilidade, o economista Sérgio Firpo, do Insper, questiona a viabilidade do Brasil se integrar dessa forma à economia mundial. Para além da barreira do idioma, ele destaca a baixa qualificação dos trabalhadores, resultado de falhas na formação educacional.

De fato, as exportações de serviços no Brasil cresceram menos em valor na última década do que a de mercadorias, ao contrário da tendência global ser de alta em serviços.

O mercado internacional seria uma possibilidade apenas para a elite dos trabalhadores brasileiros, diz Firpo. Isso de fato já acontece em funções que exigem alta qualificação. Esse nicho é explorado, por exemplo, pela HW (Hayman Woodward), empresa do ramo de imigração sediada nos EUA, que lançou em maio um braço focado em recursos humanos.

Segundo Leonardo Freitas, presidente da HW, a empresa tem intermediado diversas contratações remotas de funcionários brasileiros para empresas estrangeiras, principalmente nas áreas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e telemedicina.

Nesse caso, a contratação é direta, e não terceirizada, como no modelo largamente utilizado na Índia.

Paulo Moraes, diretor da consultoria de recursos humanos Talenses, conta que está em busca de um recrutador para uma multinacional, sem nenhuma restrição geográfica. O profissional a ser contratado vai ter a função de selecionar pessoas para essa empresa no Brasil e no Canadá.

Outro segmento que investe nesse mercado são os sites de trabalho freelancer. A proposta dessas plataformas é nivelar trabalhadores e empregadores globalmente, eliminando as fronteiras físicas em atividades que podem ser feitas à distância —cenário semelhante ao projetado pelos pesquisadores de Oxford.

No entanto, um estudo publicado em 2016 sobre a plataforma Upwork observou que as empresas (majoritariamente de países desenvolvidos) tendem mais a contratar profissionais de outros países desenvolvidos do que daqueles em desenvolvimento.

“Apesar da economia potencial de custos com remunerações mais baixas, empregadores parecem antecipar problemas com contratações de localidades geográfica, social e culturalmente distantes. A magnitude dessa diferença é impressionante tendo em vista que o objetivo da plataforma é agregar e integrar mercados de trabalho”, escrevem os autores do estudo.

Mas essa diferença cai quando profissionais de países emergentes apresentam um histórico comprovado de trabalhos concluídos em seus perfis —o efeito é inclusive mais significativo para eles do que para profissionais de países desenvolvidos, concluem os pesquisadores.

Se a nível internacional persistem barreiras de cultura e idioma, nacionalmente a história é outra. A divisão entre funções de baixa e alta qualificação continua, dado que apenas as últimas tendem a admitir um desempenho remoto, mas dentro desse estrato podemos esperar maior dispersão geográfica, avalia Firpo.

Com o trabalho remoto, um engenheiro de Salvador, por exemplo, pode permanecer em sua cidade trabalhando para uma empresa paulista em vez de migrar em busca de uma vaga de melhor remuneração.

Isso pode levar no longo prazo a uma redistribuição de renda em termos regionais e gerar ganhos de produtividade com a contratação dos melhores a nível nacional, avalia.

“A gente pode até resolver um pouco o problema de redistribuição de renda no topo com a realocação dessas ocupações entre regiões, mas quando olhamos para o trabalhador qualificado e o não qualificado, essa diferença vai aumentar”, afirma.

FOLHA DE S. PAULO

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