A aprovação da medida provisória que permite a privatização da Eletrobrás, repleta de jabutis, é um retrocesso para a intervenção no mercado elétrico no mesmo nível da feita pela ex-presidente Dilma Rousseff, critica a economista e sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes, Elena Landau. “Isso é natural num governo petista, mas num governo que se diz liberal, é espantoso”, afirma. Para ela, só estão a favor do texto o governo, os lobistas interessados em reserva de mercado e gasodutos e o ministro da Economia, Paulo Guedes, “que quer receber uma estrelinha por ter privatizado uma estatal jogando todo o prejuízo para a sociedade”.
A economista, que coordenou o programa de privatizações no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diz que a MP mostra que as relações entre os poderes atingiram nível baixo e vão piorar. “Perderam completamente o controle do setor elétrico. E vão perder o controle das reformas administrativa e tributária.”
Confira os principais trechos da entrevista.
O que a senhora achou do texto da privatização da Eletrobrás?
O melhor seria deixar o texto caducar e fazer uma privatização de verdade, com a seriedade que a Eletrobrás, o setor elétrico e a sociedade mereciam. O texto piorou. Perdeu-se o foco, de tal forma que as discussões sobre a privatização, sobre como fazer a oferta pública e a diluição das ações, o poder de mercado da nova empresa, passaram a ser irrelevantes. O cenário era apenas extrair o máximo de recursos possíveis para atender currais eleitorais. Foi o que vimos no Orçamento, em que não houve discussão de interesses nacionais. Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da Câmara, foi esperto ao tirar completamente o foco da privatização. Cada um tentou salvar seu setor e ninguém discutiu qualidade. Discutiu-se subsídio e térmicas a carvão, navegação de rios, revitalização de bacias, indenização para o Piauí, algo gravíssimo, que não existe e que abrirá um precedente para todos os Estados que privatizaram suas distribuidoras em troca de renegociação das dívidas com a União.
Esse cenário foi uma surpresa?
Não; Quando o governo envia ao Congresso uma proposta com tantos detalhes, era de se esperar que os parlamentares colocariam seus interesses em cada um dos itens. O governo tinha que trabalhar diariamente para defender seus objetivos, mas foi injúria em cima de infâmia. A MP já saiu com concessões para os presidentes da Câmara e do Senado. Por que o interesse do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) é mais relevante que o de parlamentares do Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Piauí? Não é. Quando você concede para um, tem de estar preparado para conceder para todos. Foi o que aconteceu.
Mesmo com os jabutis, o governo avalia que venceu uma batalha que valia a pena. E a senhora?
Eu já tinha previsto que o governo ia ter que pagar para vender a Eletrobrás. Foi o que aconteceu, e os parlamentares disputaram o uso dos R$ 60 bilhões que serão levantados com a privatização. O Brasil prefere trabalhar fora do Orçamento, fora do teto de gastos. Nem se sabe se a proposta é legal ou para de pé. Passaram a discutir assuntos ultrapassados, como reserva de mercado para gasodutos, uma discussão que voltou porque o governo deixou que voltasse.
Quem mais errou nas discussões da privatização da Eletrobrás?
As pessoas adoram falar mal do Congresso, mas o pior ator nisso tudo foi o Executivo. Quando viram que sairia um texto inconstitucional na Câmara, era hora de ter resgatado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede a inclusão dos jabutis. Não apenas não fizeram isso, como o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, elogiou o relatório, que invade a competência dele e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para decidir leilões, planejar a expansão do sistema e definir as fontes. Chama a atenção que aceite essa invasão. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também elogiou a proposta, não fez análise de impacto regulatório dos jabutis e cometeu o mesmo erro que já havia feito na Medida Provisória 579/2012, do governo Dilma Rousseff.
Dá para comparar a MP da Eletrobrás com a MP editada por Dilma?
A MP da Eletrobrás é um retrocesso do mesmo nível da MP 579. Acaba com a concorrência e a alocação eficiente de custos. Definir local, quantidade e combustível de termelétricas é uma intervenção completa no setor elétrico. Isso é natural num governo petista, mas num governo que se diz liberal, é espantoso. Chama a atenção o silêncio do ministro da Economia, Paulo Guedes. Caíram na mesma esparrela de discutir impacto tarifário, a exemplo da MP 579. E acho que estão subestimando o desestímulo que essa proposta traz para os investimentos futuros no setor. Todo o setor, a academia, os liberais, a esquerda, os funcionários, os consultores estavam contra. Só estavam a favor o governo, os lobistas interessados em reserva de mercado e gasodutos e Paulo Guedes, que quer receber uma estrelinha por ter privatizado uma estatal jogando todo o prejuízo para a sociedade.Rasgaram o modelo de leilões criados pelo governo Lula, uma lei que foi debatida por um ano antes de virar um MP. Foi um desmonte completo do setor elétrico, tudo feito de forma açodada.
O que a votação da MP da Eletrobrás expõe sobre as relações entre governo e Congresso?
Não consigo entender o apoio do governo a esse texto. A influência do senador Rodrigo Pacheco para legislar até sobre racionamento mostra que o governo perdeu completamente o controle do setor elétrico. E vai perder também o controle das reformas administrativa e tributária. Estão numa correria para dizer que fizeram algo, não importa o quê. E todo mundo que é a favor das reformas bem feitas está muito preocupado e prefere que não seja feito nada, até porque elas serão feitos por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e projeto de lei. Depois, quando você muda a regra, precisa de lei e PEC de novo para desfazer, diferente de resoluções e portarias, que são mais fáceis de alterar. Eu avisei: pau que nasce torto morre torto. Era de se esperar que isso aconteceria.
O ESTADO DE S. PAULO