O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu ontem rever a sistemática de resultado primário prevista para o ano que vem,
abandonando a proposta de “meta flexível”. Ele disso que não há “nenhum problema” entre o Ministério da Economia e o
Tribunal de Contas da União (TCU) e que, passado o período de maior incerteza econômica devido à pandemia, o governo pode agora definir uma meta fixa de primário para 2021. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 foi enviado em abril, no auge da crise sanitária e econômica decorrente da covid-19. Como o cenário naquele momento era extremamente incerto, principalmente em relação às receitas, o governo propôs um desenho no qual fixou a despesa (calculada com base na regra do teto de gastos) e apresentou uma projeção de resultado fiscal. Esse número, contudo, não precisa ser atingido, pois varia conforme a previsão de receitas.
Na prática, a tal “meta flexível” é uma ausência de objetivo, dado que o governo não precisa fazer ajustes de despesas ou receitas para cumpri-la. “Agora a economia se firmando e voltando, já teremos a possibilidade, vamos conversar com o TCU, de rever as previsões de receitas e podemos então anunciar uma meta”, afirmou, acrescentando que “está tudo certo”. “O Brasil está voltando”, disse o ministro, que reiterou a mensagem em um evento de tarde. “Não é um desentendimento, é um mal entendido”, disse. “Se defendo reformas, teto, Lei de Responsabilidade Fiscal, se já tive briga dentro e fora do governo, por que quero meta flexível para furar algo? Não quero isso.”
A equipe econômica se sentiu pressionada pelo TCU. A corte disse há cerca de um mês que a proposta apresentada viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas se mostrou sensível aos argumentos do governo, deixando claro no acórdão e em reuniões de técnicos que seria admissível em 2021, mas o precedente não poderia se repetir para o ano seguinte. Para ter validade, o projeto de LDO tem que ser aprovado pelo Congresso, o que não ocorreu ainda. A votação está prevista para o próximo dia 16 e, se quiser mudar a proposta, o governo tem que enviar uma nova mensagem.
Também há pressões da classe política. Ontem pela manhã, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a proposta de meta flexível para 2021. “O que está me deixando impressionado é essa coisa de meta flexível que o Paulo Guedes está inventando. Primeira promessa que fizeram [na campanha eleitoral] é que iam acabar com o déficit primário. Agora não querem meta para não ter de organizar contingenciamento. Isso é uma sinalização muito ruim”, disse. Os atritos de Maia com Guedes têm sido recorrentes. Para algumas fontes do ministério, a atitude do parlamentar reflete a disputa pela sucessão no comando da Casa e também passos preliminares no tabuleiro eleitoral de 2022, já que Maia trabalha para construir candidatura da direita moderada.
A fala dele ocorreu na chegada da Câmara ontem. Inicialmente ele não ia conversar com a imprensa mas resolveu comentar sobre a meta fiscal. Disse que os investidores precisam saber pelo menos qual será o déficit público que o governo busca atingir. “Não ter meta, ter uma meta flexível, é uma jabuticaba brasileira”, criticou. O ministério da Economia tem feito diversas reuniões nos últimos dias sobre essa questão. Ontem, mesmo após as declarações de Guedes, estava prevista nova rodada de discussões. Quando o projeto do LDO foi enviado, o resultado projetado era de déficit de R$ 149,6 bilhões, valor que em agosto, na proposta orçamentária, já havia subido para R$ 233,6 bilhões
O processo de análise está mais concentrado na secretaria especial de Fazenda, liderada por Waldery Rodrigues. A maior parte dos interlocutores do ministério consideram que seria melhor mesmo voltar à sistemática antiga, pelo fato de ser o padrão estabelecido pela LRF, sinalizando uma busca mais clara por um controle do endividamento, e porque o grau de incerteza diminuiu bastante. Com a provável mudança, os técnicos também têm que lidar com o desafio de definir um valor para ser atingido. Esse é um ponto complexo, já que, mesmo com menos incerteza, o quadro ainda não é tão claro. A tendência, nesse caso, é definir um alvo que dê uma folga para o governo trabalhar sem ter que correr o risco de promover cortes de despesas em um ambiente já apertado pelo teto de gastos.
VALOR ECONÔMICO