A saída de cena em 2021 do auxílio emergencial criado durante a pandemia da covid-19 vai gerar um “colapso” de renda na base da população brasileira, o que deve diminuir o consumo das famílias e retardar recuperação do crescimento. Ao mesmo tempo, as ideias aventadas pelo governo federal, e por ora descartadas, de unificar benefícios sociais em troca de um programa social mais amplo não são as mais efetivas no combate à desigualdade. As opiniões são de Laura Carvalho, doutora em economia pela New School for Social Research e professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Ao lado dos também professores da FEA-USP Gilberto Tadeu Lima e Fernando Rugitsky, Laura coordena o recém-criado Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), espécie de centro de estudos com foco nos debates sobre desigualdade. “A nossa possibilidade de recuperação já não é das melhores, e a retirada do auxílio retarda o processo. Ainda não resolvemos a origem da crise, que é a pandemia, então é preciso que o Congresso atue para ao menos garantir parte de um programa social”, diz ela.
A primeira nota de trabalho do Made procurou estimar os efeitos da ideia do governo de distribuir dos “pobres aos paupérrimos”, medida defendida como a alternativa para estender o auxílio emergencial em meio as limitações do teto de gastos públicos. Segundo a análise, porém, o efeito de tais alterações seria baixo do ponto de vista de redução da desigualdade. Por isso, o estudo defende aumentar a tributação das camadas mais ricas da população para financiar um programa social mais amplo. A partir dos microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017 e 2018, o estudo chegou a diversas propostas alternativas. Entre elas, está a de um benefício mais abrangente, com transferência de R$ 125 para todos os brasileiros da metade mais pobre, o que reduziria em 8,9% o índice de Gini, termômetro para captar a desigualdade, ao mesmo tempo em que manteria outras transferências.
A iniciativa seria bancada com o aumento de Imposto de Renda sobre os 20% mais ricos, de forma progressiva. “O aumento máximo da alíquota média [de IR] paga pelo oitavo décimo de renda (80-90) foi de 40%, saindo de 2,03% da renda para 2,85%, a do 1% mais rico triplicou, de 5,04%, segundo a POF, ao máximo de 15,12% de seus rendimentos”, exemplifica o estudo. Com isso, a redução de desigualdade promovida pela política fiscal sairia de 13,2% para 20,9%. Em comparação, ações na linha do que defende o governo teriam desempenho mais tímido. A substituição do abono salarial, seguro-defeso e salário-família permitiria ampliar em 30% o valor médio do Bolsa Família e ampliá-lo para mais 3 milhões de beneficiários. Mas a queda projetada do índice de Gini seria praticamente nula, de 0,3%.
Em outra simulação, na qual o salário mínimo e os benefícios atrelados a ele deixam de ser corrigidos pela inflação por dois anos, é possível, além de aumentar em 30% o benefício, atingir mais 20 milhões de pessoas. Mas a redução estimada do índice de Gini seguiria baixa, de 0,8%. A nota esclarece que a proposta de financiar um aumento substantivo das transferências de renda por meio da tributação não é compatível com o atual desenho do teto de gastos. Nesse sentido, Laura defende que se busque outro mecanismo mais flexível e que ainda mantenha no horizonte o controle da dívida pública. “O atual modelo é um teto estatístico, está mais para uma âncora. Sou a favor de um limite para crescimentos dos gastos. O problema é que o desenho do teto é muito peculiar por ser totalmente desvinculado da trajetória de crescimento econômico e da dívida pública em proporção do PIB”, afirma a economista. Na opinião de Laura, o mais adequado para o Brasil seria a adoção de metas plurianais no campo fiscal. “O ideal seria estabelecer limites para o crescimento de gastos em um período de quatro a cinco anos a partir do que se projeta crescimento econômico, arrecadação de impostos e em linha com um alvo para a dívida em relação ao PIB.”
VALOR ECONÔMICO