Folha de S.Paulo – 13/12/2021 –
Líderes dos partidos da base governista no Congresso dizem não ter uma agenda de prioridades para 2022, o que representa forte sinal de que o Palácio do Planalto já deixou em segundo plano interesses no Legislativo para concentrar esforços na tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A última medida significativa aprovada foi a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que abre espaço orçamentário para o Auxílio Brasil de R$ 400.
O novo programa turbinado, que substituiu o Bolsa Família (uma marca de gestões petistas), é tratado por palacianos como mecanismo essencial para tentar reverter a alta rejeição de Bolsonaro e fazer com que ele melhore o desempenho nas pesquisas eleitorais.
Políticos falam, de um modo geral, que a ideia agora é encerrar o ano com a aprovação do Orçamento federal de 2022 e, no próximo ano, tocar a bola de lado com votações de menor monta.
Assim como no Palácio do Planalto, o foco na Câmara e em parte do Senado é a tentativa de reeleição dos próprios congressistas.
Em todo ano eleitoral, é comum o Congresso se esvaziar. É o chamado “recesso branco”, que ocorre quando os parlamentares vão para as bases cuidar de campanhas. O movimento, contudo, se dá de forma mais comum no segundo semestre do ano eleitoral. Desta vez, a corrida foi antecipada.
Só do fim de outubro até agora cinco pré-candidatos à Presidência fizeram eventos em Brasília com caráter claramente eleitoral, com vista à disputa do ano que vem: Rodrigo Pacheco (PSD), Sergio Moro (Podemos), Bolsonaro, Simone Tebet (MDB) e João Doria (PSDB).
Os tucanos também escolheram a capital do país como palco das prévias em que o governador de São Paulo foi escolhido como o nome da legenda para disputar o Planalto em 2022.
No fim do mês passado, a Folha mostrou que o ministro Paulo Guedes (Economia) e equipe ainda tinham esperança de emplacar parte de um minipacote de propostas para tentar reverter ou reduzir a rejeição de Bolsonaro.
Estavam na lista o texto que permite abertura de conta em dólar no Brasil, já enviado para sanção de Bolsonaro, e o projeto que cria a BR do Mar.
Porém outras propostas mais audaciosas e que faziam parte da agenda liberal de Guedes, como as reformas tributária e administrativa e a privatização dos Correios, devem ficar na gaveta.
Apesar disso, em almoço na sexta-feira (10), Guedes pediu ajuda a empresários para aprovar a reforma administrativa no Congresso, como mostrou a coluna Painel da Folha.
No encontro da Esfera Brasil, grupo de reúne empresários, o ministro defendeu que a proposta não fará Bolsonaro perder votos, mas, sim, ajudará a atrair eleitores. Também reclamou de projetos estagnados no Senado, presidido por Pacheco.
Líder do PP, o partido que comanda a coalizão bolsonarista na Câmara, o deputado Cacá Leão (BA) disse que a Câmara terá de montar um conjunto de propostas até abril ou maio, mas não soube dar mais do que um exemplo.
“A gente vai ter que fazer [votações] até abril e maio senão é ruim até para a gente. Na cabeça não veio, não [nenhum exemplo], mas sei que tem uma porrada de matéria, tem o projeto das fake news [concluído na semana passada no grupo de trabalho na Casa], tem uma porrada de coisa que está em fase conclusiva”, afirmou.
Líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) também é lacônico. Por meio de mensagens de texto, afirmou que a Câmara vai “avançar nas questões de Estado”, que “não envolvem a disputa eleitoral”, mas não deu exemplos.
Nos bastidores, congressistas disseram ter recebido até de ministros palacianos a indicação, há alguns meses, de que o governo “virou a chave” em relação às prioridades: da pauta do Congresso para a pauta eleitoral.
Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) afirmou ser importante votar no primeiro semestre do próximo ano algumas pautas que não puderam ser deliberadas neste ano, entre elas algumas que envolvem proteção social.
“Existe aí uma expectativa de que a gente vá ter um aprofundamento da crise e o aumento da vulnerabilidade, com uma economia com perspectiva de estagnação”, disse.
“Nós precisamos garantir que o auxílio emergencial [Auxílio Brasil], que, na forma como foi apresentada pelo governo, tem prazo para término em 31 de dezembro de 2022, seja discutido e aprovado e instituído como renda básica permanente, da mesma forma que era o Bolsa Família”, afirmou Cabral.
O deputado também citou a reforma tributária como outro texto importante que precisaria ser analisado no próximo ano, mas reconhece que a proximidade da eleição contamina o debate e inviabiliza a discussão. “Você não consegue avançar, tendo em vista a complexidade do tema em um ano eleitoral.”
Já a reforma administrativa perdeu as condições políticas de avançar em 2022, disse Cabral.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) vê apenas projetos de menor relevância sendo votados no próximo ano. “Nada da agenda do governo deve avançar”, disse.
Segundo ele, a antecipação deste clima de eleição ocorre porque o governo já está sem agenda há algum tempo, pensando somente em questões eleitorais.
“De agenda, de reformas, de coisas mais relevantes, o governo já desistiu. O próprio presidente já está mais preocupado em ter um rol de partidos mais amplo para disputar a eleição do que em aprovar alguma coisa no Congresso”, disse Kataguiri.
PAUTAS QUE FICARAM EM SEGUNDO PLANO
Privatização dos Correios
O que é:
Proposta permite que serviços postais, inclusive os prestados hoje pelos Correios em regime de monopólio, sejam explorados pela iniciativa privada
Fase de tramitação:
Aval para a medida foi aprovado pela Câmara, mas está parado no Senado
Reforma administrativa
O que é:
Prevê estabilidade a todos os servidores, ainda que com possibilidade de demissão por desempenho insuficiente. Estipula corte transitório de jornada de trabalho em até 25%, com redução de remuneração correspondente em caso de crise fiscal
Fase de tramitação:
Aprovada em setembro em comissão especial da Câmara, não tem perspectiva ainda de ir a voto no plenário
Reforma tributária
O que é:
Unifica PIS e Cofins em um novo tributo (a CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços), com alíquota de 12%, além de reformular as regras do Imposto de Renda
Fase de tramitação:
A proposta de unificação dos tributos está parada na Câmara; a do IR também está parada, mas no Senado