Auxílio Brasil pode explicar por que população empregada ou em busca de trabalho não está no nível de 2019
Por Lucianne Carneiro
O mercado de trabalho dá sinais de recuperação, com avanço da população ocupada e queda de desempregados. Esses números estão em situação melhor que antes da pandemia, ainda que acompanhados de elevada informalidade e renda abaixo de 2021. Um indicador que ainda não se recuperou, porém, é a chamada taxa de participação, que mede a parcela da população em idade de trabalhar que está empregada ou procurando trabalho. A taxa caiu muito no início da crise sanitária e vem crescendo, mas ainda está em 62,7% no trimestre encerrado em julho, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Na média de 2017 a 2019, era de 63,4% e estava em 63,6% no quarto trimestre de 2019.
Para explicar esse movimento, especialistas afirmam que nem toda a população que deixou a força de trabalho em 2020 por causa da situação sanitária retornou. O contingente de pessoas nesta situação estava em 64,6 milhões no trimestre encerrado em julho de 2022. O número ainda é maior que antes da crise sanitária (era de 61,5 milhões no quarto trimestre de 2019), mas representa forte queda frente ao pico de 73,6 milhões registrado no trimestre de maio a julho de 2020.
Na lista de possíveis influências para que parte das pessoas permaneça fora da força de trabalho, especialistas apontam o aumento do valor do Auxílio Brasil – que foi elevado no fim de 2021 em relação ao que era pago pelo Bolsa Família -, a perda de experiência de trabalhadores e alguma mudança na estrutura do mercado de trabalho no pós-pandemia e nas decisões das famílias em relação à oferta de trabalho. Além disso, lembram que, por causa do perfil desta crise, muitos dos trabalhadores ocupados passaram diretamente para a inatividade.
“A população fora da força de trabalho caiu 9 milhões desde o auge em 2020, mas ainda está um pouco alta. Isso explica parte da queda do desemprego, pois ainda tem muita gente que não voltou ao mercado de trabalho. Tem gente que saiu e vai voltar, mas tem quem jamais vai voltar. Há pessoas que não voltam porque ficaram mais velhas, porque perderam experiência, ficaram defasadas, o mercado está demandando outras coisas… Acreditam que não terão condições de conseguir ocupação no mercado”, diz o professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia.
Ele explica que o indicador de taxa de participação engloba, no mesmo numerador, tanto os trabalhadores ocupados quanto os desocupados. Enquanto a ocupação avançou em 16 milhões de pessoas entre o fundo do poço e agora, nota o professor, há 5 milhões de desempregados a menos. “A taxa pode variar pelo número positivo, que é de ocupados, ou negativo, que é o de desocupados. É preciso cuidado. Vale olhar, por exemplo, para o nível de ocupação, que é o mais alto desde 2015 [57%]”, afirma.
Estudo do pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Daniel Duque sugere que o aumento do Auxílio Brasil contribuiu para a recuperação mais lenta da taxa de participação. O trabalho considera 73 regiões do país, a partir de microdados da Pnad Contínua, e mostra que os locais com maior aumento de recursos provenientes do Auxílio Brasil também foram as que tiveram menor aumento na taxa de participação, na comparação entre o quarto trimestre de 2021 e o segundo trimestre de 2022. Não inclui, portanto, o novo aumento do valor do benefício, para R$ 600 em agosto.
“Muitos países já tiveram reversão dessa taxa de participação [frente ao pré-pandemia], como os Estados Unidos. O Brasil está entre os que não recuperaram. Ao mesmo tempo, as transferências de renda no país estão em nível maior agora. Motivado por esses dois fatos, fui atrás dos dados e encontrei que as transferências de renda tiveram papel nisso”, diz Duque. Ele esclarece que o estudo não busca explicar o comportamento da taxa de participação na íntegra.
O Auxílio Brasil começou em novembro de 2021 substituindo o Bolsa Família no valor de R$ 200, mas em dezembro foi a R$ 400. Também cresceu o número de famílias – eram 14,5 milhões em dezembro e passaram a 17,5 milhões em janeiro e 18 milhões em fevereiro. Houve mudança também no desenho do programa, que destina valor fixo por família, diferentemente do Bolsa Família.
Ao avaliar a população que está fora do mercado de trabalho, Duque aponta que o maior contingente está quem é mais jovem (14 a 29 anos) e quem não é chefe de famílias. “O aumento do Auxílio Brasil desestimulou a busca por trabalho, mas isso se dá principalmente nesses grupos, com salários muito baixos e condições de trabalho ruins”, afirma Duque.
Economista da Tendências Consultoria, Lucas Assis compartilha da avaliação de que há influência das transferências de renda para a busca por ocupação, mas cita também o perfil desta crise como outro fator para o que chama de recomposição tardia da população economicamente ativa.
“Não só o valor do Auxílio Brasil é maior que o do Bolsa Família, como foi ampliado o número de famílias atendidas. Isso funciona como um desincentivo à busca por uma ocupação. Além disso, na pandemia, a gente teve transição direta de trabalhadores ocupados para a inatividade. Isso retardou a recomposição da população economicamente ativa”, diz.
A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Liana Carleial é cautelosa ao avaliar a influência das transferências de renda nas buscas por trabalho por considerar que “o Bolsa Família nunca foi contraponto ao mercado de trabalho”. Sua análise é que o mercado de trabalho pode ter passado por mudanças em sua estrutura durante a pandemia.
Uma das hipóteses é que haja uma espécie de “desemprego disfarçado”, já que o conceito de desempregado pressupõe busca por trabalho. Outra questão que pode afetar, argumenta, é o que chama de “socialização do custo da reprodução na família”, ou a decisão de quem se responsabiliza pelos cuidados de crianças e idosos.
“A necessidade [de trabalho] é clara. Não temos tantos domicílios sem renda do trabalho a mais, as famílias ainda estão ligadas ao mercado, mas agora em qual trabalho? Em que condições? Se houve mudança na socialização do custo de reprodução da família, isso implica na decisão de cada um de trabalhar ou não. E pode estar havendo um desconforto com a situação do mercado de trabalho.”