Levantamento mostra que o Brasil tem um dos maiores percentuais de adolescentes com deficiências para atividades como ler uma lista de compras ou realizar operações matemáticas simples
Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
Quase 66% dos adolescentes brasileiros em idade de ingressar no ensino médio – ao redor de 15 anos – não possuíam, antes mesmo da pandemia, habilidades básicas nas áreas de leitura, ciência e matemática, como ler uma lista de compras ou realizar operações simples e explícitas, um quadro que deve ter se agravado com a desorganização que a covid-19 provocou sobre a educação no país.
Embora o número esteja em linha com a média da América Latina (65%), o desempenho do Brasil é pior que o de pares regionais como Chile (47%), Uruguai (51%), Costa Rica (58%), Peru (60%), Colômbia (63%) e Argentina (63%). Os resultados constam de uma ampla pesquisa conduzida por Sarah Gust (ifo Institute), Eric Hanushek (Universidade de Stanford) e Ludger Woessmann (Universidade de Munique) englobando 159 países que correspondem a 98% da população mundial e 99% do PIB global.
A partir dos últimos dados disponíveis para testes padronizados como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e de fontes alternativas para a imputação de valores àqueles países que não participam desses testes, os pesquisadores estimaram que pelo menos dois terços dos jovens no mundo não atingem níveis básicos de habilidades (“basic skills”). Mas essa porcentagem varia bastante entre grupos de países e regiões: é de 24% na América do Norte, 89% no sul da Ásia e 94% na África subsaariana, por exemplo.
O Brasil está entre os 101 países em que mais da metade dos adolescentes não atinge competências básicas – em 36 países, essa estatística ultrapassa 90%. Mesmo em países de alta renda, um quarto das crianças carece de habilidades básicas. E metade dos jovens do mundo vive nos 35 países que nem sequer participam de testes internacionais do tipo. As informações, segundo os pesquisadores, mostram quão longe o mundo está de oferecer habilidades básicas para todas as crianças e de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, relativo à educação de qualidade.
No caso brasileiro, as escolas enfrentam dois problemas, disse Hanushek ao Valor. “Primeiro, ainda um quinto da população não está matriculada no ensino médio; segundo, a qualidade das escolas precisa ser melhorada”, afirma o pesquisador, que acompanha o sistema educacional brasileiro há um bom tempo.
Para cada país, a pesquisa também estimou os ganhos, em termos de PIB, de atacar o lapso de habilidades básicas em três cenários diferentes: incluir todos os jovens na escola, mantendo a qualidade atual do ensino; apenas melhorar a qualidade do ensino para aqueles que já frequentam a escola; e incluir todos os jovens em um ensino de melhor qualidade.
“As questões de qualidade das escolas brasileiras são muito importantes, especialmente quando comparadas a apenas colocar todo mundo na escola com a qualidade atual. Fazer as duas coisas é, no entanto, a melhor solução. Se todas as crianças pudessem ser educadas até o nível básico de habilidades, o valor gerado para a economia é estimado em mais de oito vezes o tamanho do PIB brasileiro atual”, aponta Hanushek.
A lógica é que estudantes mais habilidosos poderão ser profissionais mais produtivos, o que implicaria ganho de salários maiores e crescimento da renda, explica Sergio Firpo, professor da cátedra Instituto Unibanco no Insper. Para países de renda similar, no entanto, o Brasil vai mal nos testes padronizados e, nessa medida, também na proporção de pessoas com habilidades básicas, diz Firpo.
“Com a quantidade de recursos que investimos, poderíamos estar melhor, mas estamos sempre abaixo da curva”, afirma. Firpo cita dificuldades, por exemplo, para gerir bem os recursos destinados à educação, não apenas financeiros, mas também físicos e humanos.
“A gestão é feita no nível local e, muitas vezes, de uma maneira em que falta capacidade técnica para tomar as decisões. A gestão não só das secretarias, mas também das escolas, muitas vezes é pouco profissionalizada.”
No agregado dos países analisados por Gust, Hanushek e Woessmann, os pesquisadores estimam que o valor da produção econômica mundial perdida devido ao não cumprimento das metas de habilidades básicas somaria US$ 718 trilhões até o fim deste século, ou cinco vezes o PIB mundial atual.
“Garantir que todos os jovens do mundo tenham pelo menos habilidades básicas é um objetivo primordial por si só, mas atingir esse objetivo também tem imensa importância para o desenvolvimento global inclusivo e sustentável”, dizem.
Os pesquisadores também estimaram, a nível global, que o ganho econômico de levar todos os alunos que estão atualmente na escola ao menos aos níveis básicos de habilidades é duas vezes maior do que o ganho de matricular as crianças que atualmente não frequentam a sala de aula em escolas com os níveis atuais de qualidade. Firpo pondera que a pesquisa não se propõe a debater questões mais amplas sobre desigualdade, que poderia ser aprofundada com políticas de melhora da qualidade sem inclusão escolar.
“Além disso, não adianta ter a oferta desses aprendizados se não há demanda por isso, se a pessoa vai sair superbem formada, mas não tem emprego e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg para absorver”, aponta.
Os últimos dados disponíveis para testes padronizados como os do Pisa são de 2018. Firpo diz que a pandemia, provavelmente, aumentou a desigualdade captada pelo estudo tanto entre as nações quanto dentro de cada país.
“No caso brasileiro, os dois fatores, acesso e qualidade, foram negativamente afetados. O aluno precisava ter acesso a computador em casa e isso atrapalhou muito que crianças pobres tivessem aula. A qualidade caiu para todo mundo, mas caiu mais nas redes com menor infraestrutura”, afirma.