Algumas decisões do presidente Jair Bolsonaro podem passar a impressão de que a estratégia continua sendo de política econômica liberal. Mas é grave engano.
A intervenção desastrada do presidente na Petrobrás produziu enormes estragos. A principal divergência de Bolsonaro com o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, talvez não tenha sido a questão dos preços dos combustíveis nem a política adotada, mas de falta de afinidade visceral, do tipo “não vou com tua cara, e pronto”. Mesmo se fosse por aí, não seria preciso tanta truculência.
A substituição do presidente da Petrobrás poderia ter sido feita com jeito. Afinal, o mandato de Castello Branco terminaria em março. Se o chefe dos acionistas majoritários quisesse trocar o comando da Petrobrás, como se viu que quis, teria bastado acionar os mecanismos ordinários previstos para isso sem a turbulência que se viu depois.
De todo modo, Bolsonaro parece ter sentido a necessidade de olhar para o outro prato da balança. Primeiramente, tratou de afagar a cabeça do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vinha sendo ignorado. Na terça-feira, trabalhou para dar andamento no projeto de privatização da Eletrobrás – outro item da agenda liberal.
Nesta quarta-feira, além de sancionar a lei de autonomia do Banco Central, pleito que não pode ser considerado populista, o governo também encaminhou ao Congresso o projeto de privatização dos Correios.
Há alguns meses, o governo mudou sua política em relação à China. A hostilidade ostensiva aos produtos chineses, manifestada inicialmente na definição das regras da conexão 5G, foi trocada por atitude mais pragmática.
A vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, teve há alguns meses o veto do presidente por ser “vacina da China e do governador João Doria”. Mas, diante da necessidade de iniciar a vacinação contra a covid-19 no País, o Ministério da Saúde acabou autorizado a comprá-la. Pesaram nessa mudança de postura os interesses do agronegócio, o setor mais dinâmico da economia brasileira.
Mas essa aparente correção de rotas não significa reconversão a uma política econômica de equilíbrio fiscal e de apoio às reformas, onde prevalecessem a racionalidade das decisões e os princípios da livre concorrência.
Bolsonaro deu inúmeras demonstrações de que seu objetivo é ganhar as eleições de 2022, custe o que custar. Para isso, ele precisa que a economia supere o atual marasmo e os 14 milhões de desempregados. Depois de ter feito os acordos já conhecidos com o Centrão, pretende conseguir a virada da economia com distribuição de auxílios sociais sem contrapartida de corte de despesas, com desoneração dos combustíveis também sem contrapartida fiscal, com preços artificiais da energia elétrica e com uma espécie de bolsa subsidiada aos caminhoneiros.
Ele também afirma que o dólar acima de R$ 4,50 não atende a seus objetivos. Mas não disse como conseguiria derrubá-lo dos níveis atuais. Será esse seu próximo alvo?
Apenas neste ano (até esta quarta-feira) os preços do petróleo tipo Brent e WTI subiram (em dólares) 27,41% e 31,67%, respectivamente. Não há nenhum indício de que a escalada pare por aí. Ao contrário, analistas do setor preveem que os preços do barril de 159 litros, que hoje oscilam em torno dos US$ 63, saltem para acima dos US$ 70. Mesmo se isso não acontecer, a nova direção da Petrobrás, que conta agora com as bênçãos do governo, terá de apontar o novo critério a ser adotado para os preços.
O ESTADO DE S. PAULO