Governadores e prefeitos têm se aproveitado de brechas da Lei Complementar 173, que proibiu reajustes e ampliações de gastos com pessoal como condição para um socorro bilionário durante a pandemia da covid-19, para mesmo assim conceder aumentos ou fazer contratações. O grupo inclui Estados em péssimas condições financeiras e que estão na fila por um socorro da União.
No Rio de Janeiro, a Assembleia do Estado incluiu no Orçamento a previsão de um plano para a revisão dos salários – na prática, uma brecha para concessão de reajustes. Em estado de calamidade financeira desde 2016 e sob o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desde 2017, o Estado ainda pagará salários 11% maiores para o governador e integrantes do primeiro e segundo escalão do Executivo, após a revogação de uma lei que cortava essas remunerações. O rombo nas contas públicas previsto para este ano está na casa dos R$ 20 bilhões.
A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do Rio informou que a emenda do Orçamento “não é impositiva”: “Pode haver ou não um plano de revisão anual dos servidores, o que não implica em um aumento salarial ou contratações. Não há previsão de reajustes.”
Em Goiás, a Assembleia aprovou um reajuste de até 64,61% para professores com contratos temporários que ainda não recebiam o piso nacional da categoria. A secretária de Economia do Estado, Cristiane Alkmin, disse ao Estadão que o aumento não conflita com a lei do socorro porque o piso dos professores é determinado por uma legislação federal, anterior à pandemia, e a lei trata esse tipo de aumento de gastos como uma exceção à proibição.
No Pará, o governo concedeu reajuste de 3% para delegados da Polícia Civil e ainda determinou um pagamento retroativo de abono salarial a servidores da segurança pública, referente ao período de 2014 a 2017. O anúncio foi feito pelo governador Helder Barbalho (MDB) e pela agência oficial de notícias. O governo do Estado, porém, não respondeu ao pedido do Estadão para detalhar o impacto financeiro da medida e se há violação das restrições impostas pela lei 173.
Em Mato Grosso do Sul, o governo discute uma proposta para incorporar o adicional de produtividade ao salário de fiscais tributários e auditores do Estado. Na prática, isso eleva a remuneração porque outros benefícios incidiram sobre o salário mais gordo – além de não haver impedimentos no futuro para a criação de novos adicionais. O governo estadual também não respondeu à reportagem.
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) adota o discurso contra privilégios, mas sancionou uma lei que amplia possibilidade de novas gratificações para o Judiciário estadual e aumenta o número de vagas para desembargadores. O governo mineiro não respondeu ao pedido de entrevistas.
Já o Rio Grande do Sul anunciou concursos públicos para preencher 3,4 mil vagas, a maior parte de professores e profissionais da Secretaria de Saúde. Tanto a Procuradoria-Geral do Estado quanto o governador, Eduardo Leite (PSDB), afirmaram em recente entrevista coletiva que as contratações não violam a lei porque preenchem cargos que já estavam vagos.
Nas prefeituras de São Paulo e Manaus, os reajustes ficaram para 2022, mas já foram contratados e, no caso da capital do Amazonas, pode ser implementado ainda este ano, caso a proibição na lei federal seja revogada. Além disso, a remuneração dos prefeitos funciona como teto da remuneração dos servidores municipais.
Em São Paulo, categorias vinham pressionando os vereadores a conceder o reajuste para driblar o que vinha então funcionando como trava, impedindo mais aumentos para a elite do funcionalismo. A Prefeitura disse ao Estadão que a lei do reajuste é “autorizativa” e que o teto salarial só será alterado se a pandemia estiver superada em 2022.
Segundo a assessoria de Covas, a mudança é importante porque o teto do funcionalismo não é corrigido desde 2012, e a defasagem favorece a evasão de profissionais de carreiras com salários elevados, geralmente posições com alta qualificação, como auditores fiscais.
Em Manaus, nem a Câmara de Vereadores, nem a Prefeitura responderam aos pedidos de informações da reportagem. Em abaixo-assinado, entidades, instituições, pastorais e movimentos sociais pediram a rejeição dos projetos.
O ESTADO DE S. PAULO