Endividamento é caminho para o burnout: entenda como esses dois fenômenos estão interligados

Por Jayanne Rodrigues

Acúmulo de trabalho, ausência de educação financeira e falta de dinheiro são alguns dos motivos que coincidem com a realidade de pessoas endividadas que enfrentam o diagnóstico de burnout

Durante um ano, a designer gráfica Geovana Sousa, de 20 anos, acumulou cinco empregos ao mesmo tempo para melhorar a renda. Mas isso não significou a possibilidade de uma reserva financeira nem mesmo um alívio nas contas do fim do mês. Pelo contrário. Com o excesso de trabalho, vieram também dívidas e o diagnóstico de burnout – doença que atinge um em cada cinco brasileiros que trabalham no mundo corporativo, segundo pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

“Para mim, trabalhar sempre foi sinônimo de prestígio social”, diz Geovana, que não é a única a aspirar uma vida movida a trabalho, tendo como referência os pais. Assim como ela, parte da geração Z – pessoas nascidas entre os anos de 1990 e 2010 – enxerga o sucesso laboral como um dos principais objetivos de vida, diz a profissional. Em contrapartida, esperam um retorno financeiro que seja maior, ou que corresponda ao esforço profissional oferecido. No entanto, oito milhões de jovens desta geração acumulam contas atrasadas, de acordo com dados do Serasa.

Evitar o esgotamento mental por causa do não pagamento de dívidas é um grande desafio para esse grupo. “As pessoas estão fragilizadas emocionalmente porque estão sem dinheiro ou o contrário?”, questiona a empresária Nathália Rodrigues, fundadora da plataforma Nath Finanças, numa alusão ao fenômeno conhecido como ‘efeito Tostine’. Segundo ela, Geovana não está sozinha nessa realidade que envolve culpabilização, estigma e uma sensação de desestabilidade.

Para a designer, a tão sonhada independência financeira chegou aos 18 anos. Ainda na faculdade, ela decidiu atuar como freelancer para fechar o orçamento mensal. A autonomia permitiu sustentar uma casa sozinha. O que ela não esperava naquele ano era a chegada da pandemia de covid-19, intensificada em março de 2020. Segundo a psicóloga e consultora de RH Eymi Rocha, a partir daí houve uma “micro invasão do espaço domiciliar”.

Essa mudança na forma de trabalhar afetou diretamente o estilo de vida das pessoas. “Eu esquecia de comer. Então, só pedia delivery”, conta a jovem. Enquanto ela tentava se estabelecer nos cinco empregos, o meio de encontrar uma certa satisfação estava no consumo sem planejamento. Foi neste contexto que enfrentou problemas conhecidos do brasileiro: cheque especial, limite estourado do cartão de crédito e atraso nas contas básicas do mês.

O papel das empresas

Para especialistas, o gerenciamento de produtividade por parte dos empregadores é uma das chaves para o enfrentamento do esgotamento mental. A maneira pela qual a instituição reage a casos de burnout pode interferir no agravamento ou na melhora no estado de saúde do colaborador adoecido.

Verificar a carga horária e o reconhecimento salarial estão entre as demandas indicadas para uma mudança efetiva nas empresas. “Quando há um diagnóstico de burnout dentro da empresa, automaticamente deve haver uma mobilização interna para erradicar essa questão, mas com ações próprias”, resume a psicóloga Eymi Rocha.

Outro ponto indicado pela profissional é a segurança psicológica no ambiente corporativo. No caso de Geovana, ela foi demitida de uma das empresas em que trabalhava dias após apresentar um atestado com diagnóstico de Burnout. “Eles me fizeram uma ligação de cinco minutos me desligando. A justificativa foi a minha personalidade”, lamenta a designer.

Sobre a postura da empresa nesses casos, Eymi pontua que “é importante a pessoa se sentir segura para dizer exatamente o que ela tem porque isso é um dado significativo para a empresa”. A psicóloga acrescenta a necessidade da compahia ter conhecimento do diagnóstico do funcionário para tomar medidas adequadas. “Se a pessoa for demitida por conta do burnout, ela pode recorrer da demissão”, afirma.

O que o termo ‘FatFire’ tem a ver com burnout?

Trabalhar mais para receber mais dinheiro e se aposentar mais cedo. Essa é a ideia geral do FatFire, termo oposto ao conceito de quiet quitting, que visa revisar a postura de profissionais que se dedicam à empresa sem o devido reconhecimento em torno de uma qualidade de vida e da preservação da saúde mental.

O FatFire ganhou força com a geração Millennials, nascidos entre 1981 e 1995. No entanto, esse termo pode apresentar outras vertentes. Uma parte desse grupo também tende a se tornar trabalhador autônomo ou buscar uma vaga com remuneração mais baixa para ‘trabalhar por amor e prazer’.

A psicóloga Eymi Rocha explica que há uma linha tênue na discussão desse assunto partindo de dois pontos. Primeiro, é preciso entender o papel da empresa dentro do cotidiano do indivíduo. “A instituição deve ocupar um lugar menor na vida da pessoa”, reforça. Segundo, existe a possibilidade de fazer concessões, desde que se use uma estratégia com metas possíveis dentro de cada realidade.

“O contrário disso pode levar a um quadro patológico. Por exemplo: ‘Eu não tenho objetivo. Meu objetivo é trabalhar mais para mostrar serviço’. Mas a troco de quê?”. De acordo com Eymi, a busca precoce por uma aposentadoria pode funcionar. Mas o limite mental e corporal pode não aguentar por se tratar de uma meta que exige um período de desgaste maior, como 10, 15 anos. “E aí, quando você se aposentar vai ter de cuidar da saúde que desperdiçou anos atrás”.

Descanso intencional é uma pauta defendida pela profissional para atrelar, de forma saudável, o trabalho e a vida pessoal. “Separar um tempo para fazer as coisas que você gosta, as coisas que tem sentido na sua trajetória. Isso não é o remédio, mas é uma das ações propostas até no período de terapia”, sugere.

Para quem está endividado essa conta equilibrada corre o risco de ficar em aberto. Conforme a psicóloga, por causa da falta de dinheiro as pessoas têm probabilidade de acumular empregos. Com isso, o tempo reservado para o autocuidado é dispensado para ser ocupado por alternativas que podem reduzir a produtividade do funcionário no trabalho. Esse comportamento acaba formando uma ‘bola de neve’, que não exclui a incerteza das dívidas. “Pode ser que você acabe gastando em coisas para preencher o prazer momentâneo”, aponta.

Estou endividado, o que posso fazer?

Um dos grandes vilões que impedem a saída do brasileiro do status de devedor é a falta de renda básica, como aponta a empresária Nathália Rodrigues. “A inflação está alta, comprar comida está caro, pagar as contas está difícil para a maioria das famílias brasileiras”, reforça.

Para encontrar soluções eficientes e que, de fato, sejam acessíveis para a população endividada, o primeiro passo é começar pela base: a educação financeira. O burnout, por sua vez, cria outro obstáculo: o estado de recompensa por meio de compras que “não cabem no bolso”. Para evitar essas ciladas, Nathália destaca que, mesmo compreendendo que “a educação financeira no Brasil é falha”, o controle financeiro precisa fazer parte da rotina das pessoas.

Quatro dicas para quitar as dívidas, por Nath Finanças:

– É importante que a pessoa reconheça estar endividada. Comece listando o número de dívidas, o valor de cada uma e suas respectivas taxas de juros.

– Após constatar o valor total das contas atrasadas, é hora de montar um plano de ação. A dica é quitar a dívida que tem a maior taxa de juros, pois ela é a que mais compromete o orçamento mensal.

– Enquanto não é possível pagar parcelas de todas as dívidas acumuladas, vale ligar para os bancos para tentar uma renegociação.

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– Ter um planejamento financeiro.

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