Empresas reveem posição sobre negociação para compra de vacina

Grandes empresas que participaram das negociações para compra da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca podem desembarcar da iniciativa que reuniu ao menos 72 nomes fortes da economia brasileira. A dificuldade para arregimentar as 33 milhões de doses pretendidas, divergências quanto ao percentual que deverá ser doado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a repercussão negativa na sociedade e especialistas de saúde pública levaram à reavaliação, conforme o Valor apurou. Pesaram também questões jurídicas e de logística.

Apesar das divergências dentro do grupo, as tratativas com acionistas da AstraZeneca – principalmente fundos de investimentos que disporiam desse lote do imunizante – continuam e diferentes entidades setoriais saíram em defesa da iniciativa. A Vale, Petrobras, Gerdau participaram do início das conversas, que tiveram a coordenação da Coalização Indústria (que reúne 16 entidades setoriais da indústria de transformação e da construção civil) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Das instituições financeiras, Itaú e Santander negaram que irão aderir ao consórcio ou que poderão comprar a vacina para seus funcionários por alguma outra forma. Já o Bradesco preferiu não comentar o assunto. Das 33 milhões de doses que estariam disponíveis, 50% seriam doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 50% dedicadas às empresas participantes. A iniciativa contou com a benção do governo, que exigiu, como contrapartida, a doação de ao menos metade e que a vacina fosse somente aplicada em pessoas no país.

Vale já havia deixado o grupo e a Petrobras não quis se pronunciar sobre sua continuidade no movimento empresarial. Executivo de uma grande companhia disse que foi procurado para participar da compra de vacinas e disse que esse tipo de ação poderia até ser positiva caso cumprisse com uma série de condições. Entre elas não entregar mais vacinas para as campanhas públicas e acelerar o calendário de vacinação para todo a população. No entanto, para que isso fizesse sentido, os preços das vacinas teriam de ser compatíveis com os praticados para governos, de modo a não causar inflação de preços e, por consequência, potenciais incentivos de desvio do setor público para o privado, e também não poderia interferir em entregas programadas para governos.

Ontem, a Gerdau informou ao Valor que participará apenas de iniciativas de compra de vacinas se a totalidade for doada ao SUS e acrescentou que não “não tem interesse em reter ou comprar qualquer quantidade de vacinas para seus colaboradores”.

Maior incorporadora do país, a MRV pretende comprar vacinas que fazem parte do pacote em negociação. Segundo o fundador e presidente do conselho de administração da companhia, Rubens Menin, todas as doses serão doadas ao governo. “Não vamos ficar com nenhuma vacina. Somos favoráveis a tudo com que pudermos contribuir”, afirmou. Entre as convidadas para participar da iniciativa estava a Oi. Procurada, a operadora de telefonia não se pronunciou, mas a reportagem apurou que a empresa não aceitou. O Valor apurou que a Telefônica Brasil, dona da marca Vivo, não faz parte do grupo de empresas que está negociando a compra da vacina contra covid-19.A Conexis Brasil Digital, que representa as operadoras de telecomunicações, não quis se pronunciar sobre o assunto.

O Valor apurou que Fabio Coelho, presidente do Google Brasil, participou da reunião on-line promovida pela Fiesp do dia 13 com integrantes do governo sobre plano de vacinação. Mas a empresa não participa de nenhuma conversa sobre compra de vacinas pelo setor privado. O presidente-executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung se manifestou a favor da compra de vacinas pela iniciativa privada em seu Twitter. Mas ponderou que deve haver respeito às prioridades pré-estalecidas pelo Ministério da Saúde. “A iniciativa dos governos subnacionais e de empresas na busca por vacinas, devido à visível deficiência no fluxo de fornecimento à população, é muito bem-vinda. No entanto, é importante lembrar que a fila de prioridades do SUS deve ser respeitada, sem brechas para privilégios”, escreveu.

O valor negociado com acionistas da farmacêutica, é da ordem de US$ 24 por dose. O valor é superior aos US$ 5 a US$ 7 acordados por outros compradores públicos, entre os quais o governo brasileiro e pela União Europeia. Como a ideia original de uso privado de vacinas por parte das empresas alimentou críticas, uma nova abordagem passou a ser desenhada. Duas fontes disseram que esse plano B deve ser apresentado ao General Braga Neto nos próximos dias,. Uma das ações desse novo plano seria o apoio na criação de uma campanha nacional de vacinação. Essa discussão específica começou a ganhar força maior há cerca de três semanas. Fazem parte desse grupo líderes do setor de comércio, bancos, hotéis, shopping centers. A empresária Luiza Helena Trajano é uma das participantes desse debate.

“Queremos deixar essa ideia de vacina privada, que fura fila, de lado. Isso não funcionou bem. Estamos levando um conjunto de sugestões ao governo nesse sentido”, diz um diretor de uma associação setorial. Outra iniciativa é o uso das farmácias como ponto de vacinação. São cerca de 90 mil farmácias no país. Na semana passada, o ex-ministro da Saúde Luiz Herique Mandetta chegou a conversar com alguns grupos de discussão do setor privado. Uma das questões levantadas por ele refere-se ao calendário de vacinação anual da gripe, que deve ocorrer ao mesmo tempo em que acontece a vacinação da covid-19. Ele ainda teria alertado empresários sobre a importância de colaborarem com fornecimento de seringas e agulhas.

VALOR ECONÔMICO

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