Artigo escrito por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
O mercado de trabalho brasileiro vem trazendo boas surpresas a cada mês. Tudo indica que o Brasil chegue a 1,9 milhão de novos empregos formais em 2024. Parte desses avanços é creditada à reforma trabalhista de 2017, que teve por objetivo criar condições mais favoráveis para a contratação de empregos formais com as devidas proteções sociais. Outra parte é atribuída ao aquecimento de setores específicos da economia brasileira em 2024, em especial, os serviços, a construção civil, o agronegócio e a administração pública.
O salário médio habitual também vem subindo de forma expressiva — 4,5% ao ano. Em 2024, cerca de 90% dos salários estão recebendo reajustes acima da inflação. Muitos trabalhadores pedem demissão estimulados pelas oportunidades de melhores salários oferecidos no mercado. Mesmo com toda essa melhoria, ainda é enorme o contingente de brasileiros que trabalham na informalidade, com baixos salários e sem proteções.
Para a análise da qualidade dos empregos, Bruno Ottoni construiu um índice que leva em conta o salário, a estabilidade, a rede de proteções legais e as condições de trabalho de cada trabalhador. Com base nesse índice, ele constatou que, entre 2020 e 2023, a qualidade do emprego piorou tanto para os homens quanto para as mulheres. A mesma tendência se observa para os que têm 24 anos e menos.
Os empregos (e outros trabalhos) de má qualidade se concentram no segmento informal. Apesar de a formalização ter crescido nos últimos anos, o Brasil tem cerca de 40 milhões de pessoas que trabalham na informalidade. Esse é um problema crônico que tem vários determinantes. Entre eles, destacam-se a má qualidade dos postos de trabalho e a baixa qualificação dos trabalhadores.
A má qualidade dos postos de trabalho está ligada à profusão de atividades simples e até rudimentares da grande maioria das nossas ocupações. São os casos de balconista, entregador, ajudante de cozinha, empregadas domésticas, lavradores etc. Isso, por sua vez, decorre da nossa estrutura de produção que, historicamente, sempre foi concentrada nos pequenos serviços urbanos e rurais, na construção civil, no transporte e na armazenagem e outras que pagam baixos salários e têm alta rotatividade. Cerca de dois terços da força de trabalho do Brasil está nessa situação.
A baixa qualificação dos trabalhadores reflete a pobreza do nosso ensino em todos os níveis. Na força de trabalho, cerca de 75% são trabalhadores que vão do analfabetismo a, no máximo, o ensino médio. E quando se analisam os últimos dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), constata-se a permanência de uma qualidade de ensino extremamente precária.
Em suma, a combinação de trabalho e de trabalhador de má qualidade (em termos educacionais) explica porque há tanta gente na informalidade. Esse quadro é muito preocupante, mesmo num quadro de aquecimento e melhoria do trabalho formal como ocorre nos dias atuais. Trabalho informal significa má qualidade de vida, baixa capacidade de consumo, ausência de contribuições sociais, agravamento das finanças previdenciárias e explosão da demanda por assistência social. Em 13 estados, os brasileiros vivem mais da renda do Bolsa Família do que da renda do trabalho.
Ou seja, o mercado de trabalho aquecido é um bom sinal, mas ele camufla o problema da informalidade que assume uma proporção gigantesca no Brasil. É um problema que não se resolve em um mandato de governo e muito menos com bravatas discursivas dos governantes. A sua solução demandará tempo e políticas públicas que estimulem a diversificação da nossa estrutura produtiva em direção a atividades mais complexas e à melhoria substancial de todos os níveis de ensino.