“Ser pessimista é pop no Brasil”, li num ótimo artigo tempos atrás. No Brasil de hoje há boas razões para isso. Chegamos a um ponto agudo da pandemia, um misto de raiva e tristeza toma conta das pessoas e tudo faz apenas atiçar a guerra política.
Ocorre que no Congresso as coisas estão avançando. Havia dúvidas de que os novos comandos das duas Casas iriam fazer as coisas andarem.
Aqui mesmo escrevi um artigo perguntado se “o novo arranjo governista produzirá resultados e fará avançar a agenda de reformas”. E sugeri que havia uma janela de oportunidade aberta nessa direção.
Muita gente achou que não daria nada. Que o plano secreto de Arthur Lira era fazer avançar a “pauta de costumes”. Há quem sempre sabe de tudo, não é mesmo? De minha parte, não sei. Correto, me parece, é observar o que está acontecendo do modo mais realista possível e a partir daí formar uma opinião. E o fato é que algumas coisas, em especial no Congresso, estão avançando.
A primeira delas foi a autonomia do Banco Central. O assunto era discutido desde quase sempre e apenas a inércia brasileira nos impedia de avançar. O projeto aprovado foi o ideal? Evidente que não. Há o tema do duplo mandato, dividindo opiniões, e é natural que as coisas sejam assim em uma democracia.
O mesmo se pode dizer da PEC emergencial. É evidente que o projeto foi desidratado, que o texto original continha instrumentos muito mais duros de ajuste, como a eliminação dos mínimos constitucionais da saúde e educação, tema controverso, e a possibilidade de redução de jornada e vencimentos dos servidores, em situação de risco fiscal.
Mas o fato é que há avanços. O primeiro deles foi fixar um limite para o auxílio emergencial. Óbvia combinação de urgência social e zelo fiscal. O outro é a previsão de redução das desonerações fiscais. Foi um erro blindar setores de antemão, como a Zona franca de Manaus e o Simples, mas é evidente que o país precisa enfrentar o tema e agora tem um mandato na Constituição para fazer isso.
Com uma maioria consistente, a Câmara aprovou na íntegra a nova lei do gás, que na prática abre o mercado, quebra o monopólio da Petrobras sobre o setor e reforça o papel regulador da ANP, com regras bastante claras de independência, e logo competição, entre empresas nos diversos elos da cadeia do gás.
A reforma administrativa deu um passo adiante com o envio do projeto à CCJ da Câmara e a perspectiva de se ter o relatório do deputado Darci de Matos ainda neste mês. E o governo tomou a decisão arriscada de enviar ao Congresso a privatização da Eletrobras via MP, além de incluir o tema no PPI. E tudo leva a crer que a medida será convertida em lei e que o processo andará, logo adiante.
E finalmente veio nesta quarta-feira a conclusão da votação do novo marco regulatório do saneamento básico, mantendo o veto presidencial à renovação dos contratos dos governos estaduais e empresas estatais, ainda na regra antiga. Em um país em que metade da população ainda não tem esgoto tratado, trata-se de uma aprovação, é bom dizer, que já vem tarde.
Esta análise não tem a ver com “gostar ou não gostar” do governo. Para quem a paixão e ódio político são as únicas variáveis que importam, nenhuma análise no fundo é possível. Goste-se ou não, há sinais de que o arranjo de “corresponsabilidade” volta a produzir resultados e o Congresso retomou um ritmo reformista que não se via por lá há bom tempo.
Se alguém acha que tudo é feito “apesar” do presidente, como me vociferou um interlocutor, ainda nesta semana, ou que “é apenas para agradar ao mercado”, como li de muita gente, não faz a menor diferença. O cansativo bate-boca que anima o mundo do entretenimento político é apenas um lado melancólico da democracia.
O fato é que temos uma pandemia no pico para lidar e uma agenda de reformas que precisa andar no Congresso. E essas coisas terão de ser feitas simultaneamente. À base de soluções imperfeitas, como é do mundo da política, e debaixo de pedras. É o único jeito de fazer, afinal de contas.
FOLHA DE S. PAULO