Eleição, inflação e retenção de talentos: o que tem tirado o sono dos CEOs de grandes empresas

A vida tem sido turbulenta para os CEOs das grandes empresas nos últimos meses. Depois de enfrentar os efeitos da pandemia, seja nos indicadores financeiros ou no modelo de trabalho, os executivos se depararam com a guerra na Ucrânia, inflação alta e uma eleição presidencial, que deixa o ambiente mais nebuloso no mundo dos negócios. Para completar a lista de assuntos que têm tirado o sono desses líderes, há ainda o problema de escassez de talentos, novos comportamentos do consumidor e até um processo de reestatização.

Nesse cenário, o desafio é encontrar estratégias num cenário cheio de incertezas e ainda manter o time engajado. “Hoje o mais importante é ter agilidade na transformação porque tudo muda rapidamente e de forma inesperada”, afirma o CEO da Vicunha, Marcos De Marchi. Na avaliação dele, o papel do presidente é conseguir montar uma equipe capaz de criar mecanismos e ferramentas para superar qualquer desafio, seja uma eleição, uma pandemia ou inflação alta.

Além das questões macro, a organização interna das empresas, que vêm enfrentando grandes transformações turbinadas pela pandemia, também preocupa os CEOs. O conselheiro da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), César Souza, fundador da Empreenda – consultoria de reflexão estratégica, que tem clientes como Basf, 3M, Nestlé, Embraer e Comgás –, afirma que hoje a falta de comprometimento dos times e mudanças constantes no ambiente organizacional estão dificultando a execução da estratégia.

A ausência de gestores qualificados para cargos de liderança, por sua vez, sugere um apagão de talentos. “Na última pesquisa que fizemos, 71% dos 250 líderes empresariais que ouvimos disseram que não tinham líderes qualificados no time para executar sua estratégia. Isso é gravíssimo.”

A diretora-geral do Twitter no Brasil (cargo equivalente a CEO na empresa), Fiamma Zarife, faz questão de destacar que vida de CEO não é cheia de glamour, vitórias e troféus. “Há muito trabalho duro, ansiedade e tensão envolvidos na tarefa de fazer um negócio prosperar. É preciso equilibrar muitos pratos.”

De um jeito ou de outro, no entanto, cabe ao executivo encontrar soluções para resolver os problemas. O CEO da empresa de educação Inklusiva, Carlos Jacobino, diz ainda que fatores externos, como uma pandemia, também obrigam os profissionais a reinventar o negócio e suas diretrizes, reorganizar os times e, muitas vezes, tomar decisões que impactam a vida das pessoas, como nos casos que exigem demissão.

Para completar, diz César Sousa, outros assuntos que também são desafios a serem superados pelos CEOs são a busca constante por inovação, a transformação digital e a sucessão familiar. Segundo ele, esse último ponto representa “um inferno” para os fundadores de empresas que querem passar o bastão para a próxima geração.

“Os filhos vão para o exterior fazer MBA e voltam dois anos depois com ideias completamente diferentes para o negócio. A transição tira o sono por causa desse choque geracional”, exemplifica. O ponto mais crítico, no entanto, é a mudança de hábitos dos consumidores, que estão cada vez mais difíceis de fidelizar. “Os CEOs atiram para tudo quanto é lado porque não conseguem botar o dedo no pulso do cliente para saber o que ele quer”, explica. “As empresas ainda não têm uma cultura voltada para os clientes, estão muito voltadas para si e para o produto. Aí gastam fortunas em publicidade, mas ainda assim não conseguem fidelizar.”

Confira o que dizem os CEOs entrevistados pelo Estado:

‘Desafio é ter agilidade para acompanhar mudanças rápidas e inesperadas”
De Marchi, da Vicunha, diz que mudança e encarecimento da logística preocupam
De Marchi, da Vicunha, diz que mudança e encarecimento da logística preocupam Foto: VLADI FERNANDES
Apesar da instabilidade de uma eleição que vem pela frente, o CEO da indústria têxtil Vicunha, Marcos De Marchi, afirma que hoje a maior preocupação na empresa é ter agilidade na transformação dos processos para acompanhar as mudanças que ocorrem de forma tão rápida e inesperada.

“A eleição é só parte do cenário. Estamos em todos os países da América Latina e as eleições sempre mudam tudo. Mas tem outras coisas desafiadoras, como a mudança na logística por causa da pandemia”, diz o executivo. “Rotas que antes eram baratas hoje são caríssimas e complicadas. É preciso preparar a empresa para ser ágil.”

Segundo o engenheiro, que veio da indústria química, a pandemia criou outra “saia justa” em sua trajetória como CEO por conta da maxidesvalorização do real. “Foi um desafio enorme na época. A gente aprendeu a adotar medidas duras com respeito ao social”, relembra, dizendo que foi bastante teimoso junto ao conselho da empresa que liderava para conseguir evitar demissões.

“Reduzimos os salários de todos, inclusive da diretoria. Seria bobagem demitir por causa de alguns meses de instabilidade. Foi tenso, mas dali a três meses retomou com tudo e ainda veio o trunfo positivo, com a retomada do consumo de produtos químicos ligados à sanitização.”

Hoje, De Marchi afirma que não tem mais medo de nada como líder empresarial e acredita que regras claras de governança, equilíbrio emocional e um networking de confiança sejam as principais armas em cargos como o dele. “A gente opera em vários países difíceis, onde a estabilidade política e econômica já é ‘punk’”, observa. “Mas, para nós que viemos da era da inflação, não é um bicho papão. O papel do CEO é trazer especialistas e orquestrar para que a empresa funcione em qualquer cenário.”


Com os dias contados na Vibra Energia e de malas prontas para assumir a Eletrobras, Wilson Ferreira Junior conta que o que tem tirado seu sono são possíveis retrocessos na economia. Ele se refere a uma possível reestatização da empresa recém-privatizada pelo governo, conforme cogitou o candidato e ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. “Neste momento, a eleição me preocupa. Eu sou um liberal e, portanto, defendo a economia de mercado, a competição e a capacidade de atração de capitais via privatizações e concessões”, diz o executivo.

Ferreira Júnior comandou a reestruturação da Eletrobras no governo Temer e saiu em 2021 para fazer o follow on da então BR-Distribuidora, hoje Vibra Energia. Após a privatização da empresa, que ocorreu em junho, o executivo foi convidado a retornar ao comando da empresa. O nome de Ferreira Júnior foi aprovado no início do mês pelo conselho de administração da Eletrobras.

Segundo ele, a inflação está sob controle e não o preocupa mais. Sobre estruturas de trabalho, o executivo avalia que o home office virou uma solução e não um problema. Veio para ficar. “Mas temos de ter a capacidade de atrair, engajar e reter os talentos. No passado, as pessoas procuravam um emprego. Hoje a juventude está em busca de um propósito, de valores mais ampliados.”


A diretora-geral do Twitter no Brasil (cargo equivalente a de um CEO na empresa), Fiamma Zarife, também vê na liderança ágil para a tomada de decisões rápidas um tema que exige atenção. Ao contrário do que as pessoas podem pensar, ela afirma que não se deve romantizar a posição. “Existe uma lista de mitos que precisam ser desconstruídos em torno do papel do CEO. O primeiro é o pensamento de que a vida do CEO é cheia de glamour, vitórias e troféus. Não é”, garante ela “Há muito trabalho duro, ansiedade e tensão envolvidos na tarefa de fazer um negócio prosperar. É preciso equilibrar muitos pratos.”

Além de todos os fatores externos e internos da empresa, lidar com o peso da cadeira numa companhia com o poder de influência do Twitter nos tempos atuais é algo que tira o sono de qualquer executivo. “Liderar uma empresa relevante como o Twitter, que gera pautas e movimentos na sociedade, é uma responsabilidade enorme”, diz Fiamma. Segundo ela, apesar de todas as decisões serem colegiadas e baseadas em regras e políticas de uso, ela fica em estado de atenção mais constante.

O que ajudou Fiamma a lidar com o cargo foi a rede de suporte formada por executivos do próprio Twitter, mentores e amigos que a ajudaram a criar musculatura e forjar boas habilidades para estar na posição que ocupa hoje. “Ao longo dos anos e depois de acertos e erros, posso dizer que as melhores decisões em situações-limite são moldadas pela consideração de pontos de vista diferentes”, defende. “Mas para que essa rede pudesse atuar, eu precisei me mostrar vulnerável, precisei pedir ajuda, precisei mostrar meu desconforto”, revela, lembrando que não é algo natural a fazer quando existe a crença de que o líder deve ser forte e ter todas as respostas sempre.


Em tempos de burnout, a maior preocupação do CEO da Ânima Educação, Marcelo Battistella Bueno, é conseguir manter a saúde mental da sua equipe de profissionais. Não por acaso, a empresa – que atua no ramo de aprendizado online e presencial – tem recebido prêmios pelo ambiente de trabalho e inovação. “Dentre os temores que acredito que todo CEO deveria ter no mundo pós-covid, a saúde mental das pessoas, ao meu ver, é a mais importante.”

Com um perfil de gestão humanizada, Bueno afirma que as chamadas soft skills, competências em alta hoje em dia, serão cada vez mais necessárias nesse mundo altamente tecnológico. No comando de uma companhia formada por uma comunidade de aprendizagem com mais de 400 mil pessoas – composta por mais de 394 mil estudantes e cerca de 18 mil educadores -, ele diz que a pandemia mostrou a todos a importância da educação de qualidade. “Esse também é um ponto que os CEOs deveriam se atentar: o acesso dos profissionais à educação de qualidade.”


Para o CEO da Siemens Energy, André Clark, as preocupações atuais incluem tanto o ambiente interno da empresa como questões macroeconômicas, que fogem ao controle da companhia. Na área interna, ele afirma que a pandemia trouxe à tona alguns temas relevantes, como a saúde mental das pessoas. “É inegável o quanto a pandemia e todo o cenário de incertezas reforçou a necessidade do olhar para o outro”, diz o executivo.

Na avaliação dele, esse novo momento tem exigido uma dinâmica diferente de trabalho e mudanças constantes, com iniciativas para que os líderes consigam se conectar com os colaboradores. Isso inclui atendimento psicológico virtual e pesquisas anônimas recorrentes sobre saúde mental. “Essa é uma preocupação constante, de construir continuamente um ambiente de acolhimento, no qual as pessoas sintam-se à vontade e tenham ferramentas à disposição para se cuidar e pedir ajuda, se necessário.”

Em relação à economia, Clark afirma que a reforma tributária representa um ponto de atenção. Para ele, esse é um dos obstáculos mais relevantes, já que os processos burocráticos nacionais são específicos e difíceis de serem assimilados externamente. “Precisamos simplificar o sistema tributário, porque essa complexidade espanta investidores domésticos e internacionais.”

“Os custos no Brasil aumentaram muito”


O aumento dos custos e a recuo nas vendas é que tem tirado o sono do diretor geral da chinesa Gree no Brasil, Nicolaus Cheng. Maior fabricante de condicionadores de ar do mundo, a empresa teve crescimento durante a pandemia, com as pessoas passando mais tempo em casa por conta da pandemia. No ano passado, no entanto, houve uma desaceleração diante da retomada de outros setores e da flexibilização do isolamento social.

O recuo nas vendas também está relacionado ao aumento dos custos, à inflação e à variação cambial, explica o executivo. “Os custos em geral no Brasil aumentaram muito durante a pandemia, além do frete internacional, que cresceu mais de cinco vezes. A maioria dos componentes utilizados na fabricação de aparelhos de ar condicionado no País são provenientes da China”, conta o executivo, que vem se empenhando para adequar a empresa ao mercado a fim de equalizar o posicionamento no ano que vem.

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