Representantes de uma dezena de setores ligados a serviços médicos, educacionais e de habitação reúnem-se hoje com o secretário especial da Receita, José Tostes, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, e o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, para pedir que a proposta de reforma do imposto de renda seja alterada, de forma a manter neutra a carga tributária das empresas desses setores. O movimento de grande porte contra a proposta de reforma do IR junta-se à mobilização de advogados e outras entidades do setor de serviços que, em um duro manifesto publicado ontem e enviado ao Congresso, foram mais incisivos e pediram que os parlamentares derrubem a proposta. O ponto em comum que tem gerado toda essa reação é a distribuição dos dividendos. Hoje isenta, passará a recolher 20% de imposto de renda, para compensar o corte na tributação das empresas. Mas, para muitas empresas, a conta não fecha e o saldo é um recolhimento maior de impostos.
“As entidades subscritoras manifestam-se pela total rejeição dos termos propostos no PL nº 2.337, de 2021, inclusive na versão preliminar do substitutivo. A proposta de alteração das regras de tributação do imposto sobre a renda implica em aumento da complexidade no sistema tributário brasileiro”, diz o documento. Os 22 setores que subscrevem a carta estão entre os mais atingidos com a tributação de dividendos, dado que hoje estão livres dessa taxação e, na maior parte deles, se organizam para receberem sua renda como distribuição de lucros. “A tributação dos dividendos foi acertadamente extinta há 25 anos, com reconhecidos resultados em termos de arrecadação. Reduziu o volume de obrigações acessórias exigidas das empresas, estimulou os investimentos nacionais e estrangeiros, promoveu a formalização da economia, preveniu a evasão fiscal, notadamente a distribuição disfarçada de lucros e o planejamento tributário abusivo”, afirma a nota. Para essas entidades, o retorno da tributação dos dividendos é um “retrocesso” e “resulta em inaceitável aumento de carga tributária para importantes setores da economia nacional”. Gustavo Brigagão, um dos organizadores do movimento e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), diz que “o pacote do governo é um conjunto de normas desconexas que produzirá efeitos extremamente nocivos à economia ao gerar tamanho aumento da carga tributária para a classe média”.
“A proposta aumenta a carga tributária de 97% das empresas brasileiras”, afirma o tributarista Ricardo Lacaz, que atua como porta-voz dos setores que serão recebidos hoje no Ministério da Economia. Nessa conta, entram as 4,2 milhões de empresas do Simples, que representam 80% das pessoas jurídicas do país. Também estão no cálculo as empresas que declaram pelo regime de lucro presumido, 883 mil em 2018, ou 17% do total. Os 3% que escapam do aumento da carga são as grandes empresas, perto de 170 mil, que estão no lucro real. Que, no entanto, respondem por 85% da arrecadação federal, aponta o tributarista. “Pergunto se vale a pena desorganizar a vida de 97% das empresas brasileiras para um resultado fiscal pífio”, disse Lacaz, para quem há pontos positivos na proposta, como a unificação das alíquotas do imposto de renda nas aplicações financeiras ou a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o que considera uma obrigação do governo. Diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali ressalta essa preocupação com as empresas do Simples. Ele destaca que a redução do IRPJ proposta pelo governo e pelo relator não tem efeito para quem está nesse sistema, pois haverá aumento direto de carga para quem estiver tendo renda acima de R$ 20 mil por mês.
“A reforma traz aumento de complexidade e de carga tributária, por isso somos contra a proposta”, disse a vice-presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios. “Mas estamos dispostos a construir um caminho.” Perto de 80% das escolas particulares do ensino básico são empresas do Simples, que não terão redução de alíquota, mas passarão a ter tributada a distribuição de lucros. As escolas de ensino superior hoje recolhem os tributos federais na forma de bolsas de estudo do Prouni. Assim, a redução de alíquota do IRPJ não as beneficia. No entanto, elas passarão a pagar imposto sobre a distribuição de dividendos. “Concordamos com os princípios da reforma tributária. Porém, ela necessita ser calibrada para que os menores não sejam prejudicados”, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, lembrando que o setor está em sua maior parte no regime de lucro presumido.
Os impactos econômicos da reforma do imposto de renda têm dividido opiniões até mesmo dentro do Ministério da Economia. Há quem considere que ela poderá ficar parada no Congresso se não houver alteração profunda da proposta. O ministro Paulo Guedes, porém, tem tentado mostrar otimismo aos seus interlocutores e aposta na aprovação ainda neste ano. Ele tem destacado que o barulho dos contrários ao projeto é natural, mas que, com os ajustes que estão sendo costurados com o relator, a proposta vai andar, porque reduz a tributação das empresas e coloca a taxação nas pessoas físicas de alta renda. Um dos pontos que podem sofrer ajustes é a tributação de dividendos. Os setores que se reúnem hoje devem pedir para melhorar o desenho das isenções e a redução da alíquota de 20%, apesar de a Economia ainda defender o número atual.
VALOR ECONÔMICO