Apesar da pandemia do coronavírus, a economia brasileira “está surpreendentemente robusta”, inclusive com o Produto Interno Bruto (PIB) voltando ao nível anterior ao registrado ao surgimento da covid-19, mas o desemprego alto é um problema que depende do avanço da vacinação e do controle da doença, diz Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente professor da Universidade Harvard, em entrevista exclusiva para o Estadão/Broadcast.
Nos Estados Unidos, a preocupação é com a inflação. Rogoff afirma que o índices inflacionários devem subir neste e no próximo ano. Ele projeta que o PIB do país deverá crescer mais de 7% em 2021 e 4% em 2022. Embora aponte que a alta excessiva da inflação é o maior risco para a recuperação americana, ele destaca que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) poderá dominá-la.
O economista acredita que Jerome Powell, o presidente do Fed, não será indicado novamente ao posto pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se apertar a política monetária.
“Há uma pessoa muito boa esperando para essa posição, que é Lael Brainard (economista que está no Fed desde 2014). Joe Biden pode nomeá-la não importa o que ocorra. Mas, se Powell quiser ter uma chance para ser reconduzido ao cargo, ele precisa ser muito cauteloso”, afirma. Nesse contexto, ele diz que o Fed deve começar a subir os juros em 2023, com a plena recuperação da economia mundial.
A entrevista, a seguir, foi concedida na véspera da participação de Rogoff como palestrante no evento Bradesco BBI, na 12ª London Conference para investidores internacionais, que neste ano ocorre de forma virtual.
Como o senhor avalia as perspectivas econômicas no Brasil no curto prazo?
O Brasil está tendo muitos dos problemas que todos os outros países registraram com a pandemia. Há um grande aumento da desigualdade social, gerando agitação política e etc. No entanto, a economia está surpreendentemente robusta. O País já registrou a volta do PIB para o mesmo nível anterior ao surgimento da covid-19, o que é notável. Os mercados de dívida continuam incrivelmente resilientes. O Brasil fez muitas mudanças, foi capaz de lidar muito bem com esta crise e está muito melhor do que eu poderia estimar no passado recente.
Como a recuperação da economia poderá ser sustentável se o ritmo da vacinação continua muito lento?
A vacinação virá, talvez com um atraso de um ano em comparação com economias avançadas. Há um temor de que, se a retomada não for longa o suficiente, poderá não ser somente um ano, mas uma década perdida na economia, como manifestam meus amigos no Brasil que estão preocupados. Porém, a trajetória até o momento sugere, particularmente para um forte mercado emergente como o Brasil, que terá uma boa recuperação. É difícil saber. Há recuperações bem divergentes. Os países ricos estão indo muito bem, as nações com baixa renda tem uma situação terrível, e os mercados emergentes estão em algum lugar na metade desses dois caminhos e poderão ir para uma direção ou a outra.
A taxa de desemprego no Brasil passou de 14%. O senhor considera que ela poderá baixar neste ano ou no próximo?
Eu penso que será difícil corrigi-la até que o programa de vacinação (avance) e o que a doença esteja sob controle.
Como o senhor avalia a tendência da inflação nos Estados Unidos?
A recuperação está ocorrendo bem mais rápida e forte do que qualquer um imaginava, em grande parte por causa das vacinas, mas também pelo enorme apoio de gastos do governo prevenindo uma longa duração dos efeitos da pandemia. Ao mesmo tempo, há uma imensa variedade de gargalos na economia global, entre eles no fornecimento de microprocessadores. Claro que a inflação vai subir neste ano. Eu tenho visto a secretária do Tesouro, Janet Yellen, dizer que pode chegar a 3% em 2021, mas é uma estimativa baixa. Os EUA crescerão acima de 7% neste ano e 4% em 2022.
A verdadeira questão é se a inflação subirá muito a ponto de levar o Federal Reserve a aumentar os juros bem mais cedo do que avalia. O risco de inflação é significativo. Pelo ponto de vista dos países emergentes, como o Brasil, a preocupação é se a inflação explodirá, as expectativas de inflação subirão muito mais do que o esperado e o Fed seria forçado a elevar os juros por questões domésticas, o que seria muito doloroso para os mercados internacionais. Não é o cenário mais provável, mas é certamente o maior risco no momento.
E qual é o cenário mais provável para a inflação nos EUA neste ano e no próximo?
Pode superar bem os 3% nesses dois anos. Talvez em meados de 2022 poderá começar a baixar. Há agora muita espera para poder comprar vários produtos. Se você quiser adquirir uma máquina de lavar poderá ter um atraso de um ano, o que poderá repercutir em alta dos preços no final. Mas o debate é se as pessoas acreditarão que a inflação ficará elevada ano após ano. O Fed pensa que não. Talvez precisará subir os juros um pouco e parar. Essa é uma grande incerteza.
Quais são as perspectivas para o mercado de trabalho nos EUA até o fim de 2022?
Há grandes transformações ocorrendo na economia que tornam difícil saber para onde se está indo. As cidades estão sendo reformuladas, com os centros ficando de certa forma desocupados, pois as pessoas estão mudando para os subúrbios. Muitas empresas vão permitir trabalho remoto de seus funcionários entre um a cinco dias por semana. E, com isso, muitos empregos na área de serviços no centro das cidades, como restaurantes, barbearias, estão sendo fechados. Uma das razões da recuperação lenta do mercado de trabalho é que todos estão tentando decidir como se orientar, que tipo de emprego devem adotar e para onde devem ir. Certamente, na recuperação, o mercado de trabalho tem sido o elemento mais decepcionante.
A demanda está crescendo muito rápido. A oferta e a geração de empregos não estão aumentando tão rapidamente. Minha melhor avaliação é a de que o mercado de trabalho vai demorar anos para total retomada, pois ela é particularmente dramática para pessoas que recebem salários mais baixos. No caso de trabalhadores que ganham acima de US$ 60 mil por ano, o nível dos empregos está quase 2% acima do registrado antes da pandemia. Para pessoas que recebem menos de US$ 28 mil por ano, o patamar de empregos está bem distante do que existia antes do surgimento do coronavírus. Há um debate sobre quanto dessa lenta recuperação está relacionada com os benefícios concedidos às pessoas desempregadas pelo governo do presidente Joe Biden e quanto está vinculada à realocação no mercado de trabalho. Eu diria que é um pouco de ambos.
E qual é a participação da alta dos salários nessa questão?
Os vencimentos têm subido bem, como mostraram os dados de maio. Quem ganha salários mais altos está com aumentos mais expressivos. As médias dos salários e da produtividade dos trabalhadores americanos apresentaram grande elevação. A produtividade subiu perto de 3% desde o começo da pandemia, o que não tem precedente nos últimos 30 anos.
Esse aumento de produtividade pode ter sido um fator que ajuda a conter um pouco a velocidade da retomada das contratações pelas empresas?
É muito difícil ler o que está ocorrendo. Talvez quando as pessoas que ganham menos de US$ 28 mil (por ano) voltarem em maior força ao mercado de trabalho, provavelmente a produtividade e os salários baixarão. Eu conheço amigos que têm pequenos negócios e eles não conseguem ninguém para contratar, mesmo elevando os salários em 20%.
Quando os EUA voltarão a ter pleno emprego?
Acredito que o país ainda precisará de dois anos para chegar perto desse nível.
Devido a esse quadro econômico, como o senhor avalia que será a postura do Federal Reserve na condução da política monetária?
Parte da minha confiança sobre como o Federal Reserve poderá agir ao longo deste ano é que o presidente do Fed, Jerome Powell, pode ser indicado novamente ao cargo e há uma pessoa muito boa esperando para essa posição, que é Lael Brainard. Joe Biden pode nomeá-la não importa o que ocorra. Mas, se Powell quiser ter uma chance para ser reconduzido ao cargo, ele precisa ser muito cauteloso. Ele não será indicado novamente ao posto se apertar a política monetária.
O Fed está comprando títulos do Tesouro basicamente de longo prazo e ativos financeiros atrelados a hipotecas de imóveis. A parte que precisa ocorrer mais cedo é a relativa à aquisição de US$ 40 bilhões mensais de títulos atrelados a hipotecas, que é uma política bem estranha, num contexto no qual os preços das residências estão explodindo. Não faz sentido.
Na parte relativa aos títulos do Tesouro, avalio que é uma questão de relações públicas com os mercados, que é muito complexa. A redução dos estímulos começará no próximo ano, depois de Biden decidir quem será o próximo presidente do Fed.
O Federal Reserve subirá os juros em 2023, pois quando chegarmos naquele ano todo o mundo estará em plena recuperação. A Europa está no processo de retomada talvez quatro ou cinco meses atrás dos EUA por causa da vacinação. E a imunização também chegará aos mercados emergentes que vão registrar um boom depois desse processo. Um dos motivos de os juros estarem baixos é que os EUA estão crescendo fortemente, mas o mundo ainda está lidando com a pandemia. O que vemos com os EUA agora poderá ocorrer em 2023 com muitos países e colocará pressão nas taxas de juros. Então, o Fed precisará responder a esse movimento.
O senhor acredita que o Federal Reserve conseguirá controlar a alta de inflação se ela alcançar um nível bem elevado?
O Fed certamente tem os instrumentos para controlá-la. As políticas são corretas. Os comunicados do banco central dos EUA apontam que ele mudará quando for necessário. A questão é saber se o ambiente político permitirá que o Fed controle a inflação. O presidente Biden pode apontar novos diretores do Federal Reserve e redesenhar seu sistema. Biden adotou uma agenda econômica bem progressista, mas (os políticos) de centro ainda têm muito poder.
Qual a avaliação do senhor sobre a aprovação pelo Congresso americano neste ano do pacote de investimentos em infraestrutura defendido pela Casa Branca?
Minha melhor aposta é que Biden poderá ter a aprovação do Congresso de um montante substancial em 2021, de pelo menos US$ 1 trilhão, e que poderá chegar talvez a US$ 2 trilhões.
O ESTADO DE S. PAULO