A chance de aprovação de reformas econômicas até 2022 passou a ser vista como remota pelo mercado financeiro e por analistas políticos, revertendo o otimismo do início do ano após a mudança no comando do Congresso Nacional.
Entre os principais temas em discussão no Legislativo estão a reforma administrativa, três propostas de reforma tributária e a privatização de algumas estatais. Em todos os casos, as mudanças contrariam grupos de interesse organizados, como o funcionalismo, o que torna difícil o andamento dessas questões em um ambiente que já é de disputa eleitoral antecipada.
Pesam também a continuidade da pandemia, o andamento de uma CPI no Senado e a falta de espaço no Orçamento de 2021 para incorporar mais demandas parlamentares em troca de apoio ao governo federal.
Há ainda a falta de apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de vários ministérios à agenda liberal do ministro Paulo Guedes, o que já levou a uma debandada de vários secretários e assessores da pasta comandada por ele, a Economia.
O próprio ministro já afirmou que não faz mais previsões sobre prazo para aprovação de reformas, após negociações frustradas com o Legislativo.
Nesse cenário, economistas avaliam que a política econômica até 2022 deve se concentrar em duas frentes: um Banco Central que terá de lidar com riscos inflacionários e uma normalização do estímulo monetário e um Ministério da Economia na defensiva para manter os gastos públicos sob controle.
A reforma dos tributos sobre o consumo em todos os níveis de governo sofreu um revés nas últimas semanas com a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de anunciar o fim da comissão que analisava uma das propostas. Ele sinalizou apoio ao projeto do governo que unifica apenas dois tributos federais (PIS/Cofins), mas que também enfrenta resistências de alguns setores.
A administrativa sofre resistência tanto de parlamentares de oposição como de governistas, que já falam em adiar as discussões para 2023.
Em relação às privatizações, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que quebra o monopólio dos Correios e também editou uma medida provisória que abre caminho para a venda da Eletrobras. Os textos ainda precisam do aval da Câmara e do Senado.
Nos dois primeiros meses após a troca de comando no Congresso, os parlamentares chegaram a aprovar a autonomia do Banco Central, uma versão desidratada da PEC emergencial e o novo marco regulatório do saneamento básico, mas o andamento de novas proposições tornou-se incerto.
Claudio Couto, coordenador do mestrado de Gestão e Políticas Públicas da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), afirma que a atual administração sempre priorizou a reeleição e o combate aos adversários à agenda de reformas econômicas.
Para ele, a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa por 2022 resultou em um aquecimento do clima de disputa eleitoral antecipada, o que prejudica ainda mais o andamento das reformas e enfraquece a posição da equipe econômica.
“Há uma fragilização do ministro da Economia, que vem perdendo poder ao longo de todo o processo, sendo desacreditado pelo presidente da República, que defende posições que vão contra a agenda econômica”, afirma Couto.
“A gente tem visto também esse desembarque em massa de membros do Ministério da Economia, que foram percebendo que a proposta que orientava sua ida ao governo não seria levada adiante.”
Mauro Morelli, estrategista-chefe da Davos Investimentos, afirma que os investidores veem uma antecipação do cenário eleitoral de 2022.
Para ele, várias das propostas em discussão no Congresso teriam efeitos positivos sobre a população de maneira geral, mas podem gerar perdas para minorias que estão bem organizadas e podem causar ruído político.
“A visão que se tem é que nós já estamos no final do governo, quando na realidade deveríamos estar pensando que estamos apenas um pouco depois da metade”, afirma Morelli.
Para ele, esse cenário limita a atuação do Ministério da Economia, embora a equipe econômica ainda esteja obtendo mais vitórias do que derrotas nas discussões sobre a política fiscal.
Morelli afirma que, em relação às ações na área econômica, 2021 pode ser considerado como um ano que não existe. “Do ponto de vista humanitário ainda estamos na pandemia de 2020. Do ponto de vista político já estamos em 2022.”
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, afirma ver semelhanças entre a situação atual e o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, em 2015, quando outras áreas do governo se opunham às propostas do Ministério da Fazenda.
“Existe menos espaço para reformas do que a gente estava vendo no início do ano, e a gente não vê uma atuação unida do Executivo para que elas sejam aprovadas”, afirma.
Para ele, a reforma administrativa pode até ser votada na Câmara, mas terá dificuldade em avançar no Senado neste ano enquanto durar a CPI da Covid. Em 2022, o foco será a disputa pelo aumento de despesas que será viabilizado pela correção do teto de gastos por uma inflação mais alta.
“Não vai se lutar pela pauta econômica no ano que vem. Se nesse ano há uma sensação de que não é prioridade, no ano que vem vai ser pior ainda”, afirma.
Marco Maciel, sócio e economista da gestora Kairós Capital, afirma que a disputa eleitoral não afeta neste momento os indicadores econômicos do país, que melhoraram nas últimas semanas, mas também não contribui para o andamento das propostas econômicas no Congresso.
Ele avalia que a política econômica atual ficou muito focada nas grandes reformas e deixou de lado questões microeconômicas que poderiam ajudar o Brasil. Entre os textos importantes no Congresso, Maciel cita ainda a revisão da legislação cambial, que passou na Câmara neste ano e ainda será analisada pelo Senado.
“A gente fica na defensiva porque só faz atualmente política fiscal e monetária. Alguns analistas diriam que é isso mesmo. Na minha opinião tem outras coisas para serem feitas também”, afirma Maciel.
O economista Otto Nogami, professor do Insper, afirma que o que se vê atualmente é uma desmobilização do ministério, com projetos engavetados e uma dificuldade muito grande de diálogo com o Congresso.
“Este ano de 2021 pode ser considerado um ano perdido, 2022 é ano de eleição. Tudo vai depender do governo que vai assumir em 2023. Se esse governo for reeleito, vão ser mais quatro anos de problemas”, afirma.
A AGENDA ECONÔMICA DE GUEDES
Reforma Administrativa
Apresentada pelo governo em setembro de 2020, a proposta aguarda votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, um dos primeiros passos na tramitação.
O relator da proposta, deputado Darci de Matos (PSD-SC), considerou inconstitucionais dois dispositivos: o impedimento para que servidores possam acumular o cargo público com outras atividades remuneradas e o que permitia ao presidente extinguir ou fundir autarquias
Reforma Tributária
As três propostas que estão no Congresso (da Câmara, do Senado e do governo federal) e unificam tributos sobre o consumo estão praticamente paradas desde 2020.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer fatiar a reforma e tratar também de outros tributos, em linha com a posição do Ministério da Economia.
Privatização da Eletrobras
Medida provisória que precisa ser votada até 22 de junho pelo Congresso para não perder a validade. Parecer preliminar do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) ainda não foi votado.
Monopólio dos Correios
A Câmara aprovou em abril requerimento de urgência do projeto que quebra o monopólio dos Correios e abre a empresa pública para o capital privado. BNDES prevê privatização em 2022, mas deputados afirmam que o texto não prevê a venda da estatal.
Novo Marco Legal do Câmbio
Aprovado na Câmara em fevereiro deste ano, o projeto apresentado em 2019 ainda precisa de aval do Senado.
FOLHA DE S. PAULO