Benefícios da recuperação pós-pandemia só chegarão para a maior parte da população depois das eleições
A taxa de desemprego vem se reduzindo bastante no Brasil. A última pesquisa do IBGE mostrou que ela ficou em 9,3% no trimestre encerrado em junho, uma queda de 5 pontos percentuais na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. Quem são os mais afetados pelo desemprego no Brasil? Em que medida esta queda do desemprego está melhorando o padrão de vida das famílias no curto prazo? Como isto pode afetar o cenário eleitoral?
A relação entre a taxa de desemprego agregado e o bem-estar das famílias de diferentes classes sociais não é trivial. O principal fator que define o padrão de vida das pessoas é a sua capacidade de consumo, que é determinada principalmente pela sua renda familiar per capita. Assim, o desemprego afetará o padrão de vida das pessoas se mudar sua renda familiar. Mas, isto depende muito de quem na família está desempregado.
Benefícios da recuperação só chegarão para a maior parte da população depois das eleições
A figura mostra a evolução do desemprego do(a) chefe da família, do cônjuge e dos filhos que moram com os pais, desde 2012 até hoje em dia. Podemos notar, em primeiro lugar, que os filhos que moram com os pais é sempre o grupo que tem mais desemprego. Por que isto ocorre? Porque os filhos têm menor ligação com o mercado de trabalho do que os pais. Eles dividem seu tempo entre trabalho e estudos, contam com a ajuda financeira dos pais e ficam pouco tempo em cada emprego, pois estão experimentando o que gostam de fazer e têm dificuldades socioemocionais para se manter no emprego por muito tempo.
Podemos verificar também que o aumento no desemprego após a crise de 2015 e durante a pandemia afetaram bem mais os filhos, especialmente os menos escolarizados. Entre eles, a taxa de desemprego passou de 16% em 2014 para 32% em 2021. Entre os(as) chefes da família o desemprego passou de 4% para 10% e entre os cônjuges de 6% para 10%.
Assim, o desemprego entre os filhos contribuiu com metade do aumento do desemprego agregado ocorrido no período, já que eles formam 25% da população adulta no Brasil.
Assim, embora quase 1/3 dos jovens estivessem desempregados no início de 2021, este desemprego não afeta tanto o padrão de vida das famílias como o desemprego dos pais, pois a renda dos filhos geralmente é menor (especialmente a dos menos educados), e bem mais volátil.
Além disto, hoje em dia há toda uma rede de proteção social, composta pelo Auxílio Brasil, a renda de aposentadorias, o Benefício de Prestação Continuada e seguro desemprego, que contribuem bem mais para a renda familiar per capita hoje em dia do que há 20 anos. Por exemplo, apesar do grande aumento do desemprego ocorrido entre 2014 e 2017, a renda familiar média caiu muito pouco no mesmo período.
Mais importante para a renda familiar é o desemprego entre os pais, que também dobrou após as duas crises. Isto afetou fortemente seu padrão de vida, especialmente quando ambos perdem o emprego ao mesmo tempo, como ocorreu na pandemia. Além disto, muitos dos que perderam emprego tinham pouca escolaridade, não conseguiam trabalhar de casa e não estavam cobertos pela rede de proteção social. Assim, a fome e os moradores de rua voltaram.
O desemprego tem caído rapidamente nestes últimos 12 meses, o que está melhorando a renda per capita dos mais pobres, fortemente afetada pela pandemia, e diminuindo a pobreza. Mas, fora os casos em que os pais foram diretamente afetados pelo desemprego, o que mais importa para o padrão de vida da maioria das famílias é a renda do trabalho, que é influenciada pelo salário mínimo e pelo comportamento do mercado de trabalho. No período recente, o salário mínimo não tem aumentado em termos reais. Assim, a redução do desemprego só vai afetar o padrão de vida da classe média quando aumentar a pressão no mercado de trabalho, provocando um aumento nos salários de todos os trabalhadores.
Mas o efeito da recuperação econômica sobre os salários médios costuma demorar para aparecer, devido ao efeito composição. Como os trabalhadores menos qualificados, que têm salários mais baixos, foram os mais prejudicados na pandemia, o salário médio da economia tende a declinar no início da retomada, quando eles são recontratados. Só depois, quando a taxa de desemprego se reduz ainda mais, é que o salário médio da economia começa a aumentar. Assim, a renda do trabalho no último trimestre ainda está 5% abaixo do ano passado, apesar de ter aumentado nos últimos trimestres.
E como tudo isso afeta o cenário eleitoral? O governo federal está gastando bilhões de reais com os aumentos dos Auxílio Brasil, vale gás, redução de impostos e outros programas. Mas, parte destes aumentos está sendo corroída pela inflação e as pessoas mais pobres ainda se lembram da grande virada no seu padrão de vida que ocorreu durante o governo do presidente Lula. Além disto, o aprendizado e a saúde mental dos seus filhos foram bastante afetados pela pandemia e ainda não se recuperaram.
Para compensar tudo isto, seria necessário um grande e persistente aumento do salário real da classe média. E para isto acontecer, o desemprego terá que cair ainda mais (de 23% para 16% entre os filhos menos escolarizados, para atingir o nível de 2014). Além disso, a inflação tem que diminuir. Pode ser que estes objetivos sejam incompatíveis, porque um desemprego muito mais baixo poderá pressionar a inflação. Mas, de qualquer forma, se isto realmente ocorrer, só acontecerá no início do ano que vem. Assim, os benefícios da recuperação pós-pandemia só chegarão para a maior parte da população depois das eleições.
Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências e Diretor do CPAPI, escreve mensalmente às sextas-feiras (email: naercioamf@insper.edu.br).
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/desemprego-renda-e-eleicoes.ghtml