Os aposentados enfrentam novamente a possibilidade de ver uma tese julgada a seu favor no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ser reformada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Faltando apenas um voto para a conclusão do julgamento sobre a “revisão da vida toda” para o cálculo do benefício previdenciário, um pedido de vista suspendeu o fim da análise da tese pela Corte. Cinco ministros votaram a favor do pedido do grupo de aposentados e cinco em sentido contrário. O impacto da discussão sobre a “revisão da vida toda” é estimado em R$ 46,4 bilhões, para o período de 2015 a 2029, pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia.
Em julgamento sobre a “desaposentação”, o pedido aceito pelo STJ foi, três anos mais tarde, negado pelo STF. Nesse caso, o impacto financeiro em 30 anos poderia chegar a R$ 181,8 bilhões. A mesma mudança de jurisprudência aconteceu – abalando o planejamento de empresas – em relação à tributação do terço de férias e a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), em que vitórias no STJ se tornaram derrotas no STF. Todas são discussões de grande impacto para os cofres da União.
Isso ocorre porque as Cortes analisam argumentos diferentes, com base na Constituição, no caso do STF, e leis infraconstitucionais, no STJ. Essa peculiaridade do modelo brasileiro, contudo, acaba gerando um clima de insegurança jurídica no país. Mas um acordo de cooperação firmado entre as Cortes, na semana passada, pode ajudar. O STF passará a ter informações sobre os processos que tramitam no STJ e poderão ser julgados também no Supremo. O objetivo é imprimir maior previsibilidade. Segundo a assessoria de comunicação do STF, informações mais precisas poderão auxiliar o STF tanto na seleção de novos temas de repercussão geral, quanto na gestão do acervo de processos.
A situação decorre da história. O STJ surgiu com a Constituição Federal de 1988 para desafogar o Supremo. Mas a divisão entre temas constitucionais e infraconstitucionais não é tão simples, segundo Alexandre Bahia, professor de direito constitucional do Ibmec BH, porque toda lei vai ser interpretada à luz da Constituição, no caso brasileiro, “muito extensa”. “Difícil imaginar uma área do direito que a Constituição não toque”, diz. “O STF foi mantido com uma dupla função, de Corte constitucional quando julga ações diretas de constitucionalidade, por exemplo, e de última instância recursal. É um trabalho insano, nenhuma Corte no mundo recebe mil processos por ano”, afirma o professor. De acordo com Rubens Gleser, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) há hoje um problema grave de insegurança jurídica. “Os tribunais superiores que têm a função primordial de dar estabilidade e previsibilidade não estão fazendo isso”, afirma.
A ação sobre desaposentação, que é o recálculo de aposentadoria para quem continuou a trabalhar, é um exemplo. O tema surgiu em 1999, com a implantação do fator previdenciário, que aumentou a idade mínima para a obtenção do benefício integral. Em 2013, o STJ decidiu de forma favorável aos aposentados. Em 2016, porém, os ministros do STF entenderam que não existia previsão legal para a desaposentação. Já no caso da “revisão da vida toda”, a discussão trata da regra de transição da Lei nº 9.876, de 1999. Na prática, ela limitou a quem já contribuia à Previdência incluir os salários pagos a partir de 1994 no cálculo do benefício. Os segurados que receberam salários maiores antes dessa data se sentiram prejudicados e buscaram a Justiça.
O valor do impacto dessa discussão, estimado pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, é controverso. Pouco antes da suspensão do julgamento, o Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev) apresentou uma questão de ordem na ação dizendo haver um equívoco sobre este valor. Isso porque o montante não considera os processos ajuizados que já haviam ultrapassado o prazo de decadência e os “milhares” de casos em que o novo valor não será vantajoso. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista, interrompendo o julgamento do STF.
VALOR ECONÔMICO