Dados sobre mercado de trabalho confundem (Claudia Safatle)

A substituição do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) pelas estatísticas do eSocial (Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas), que está em fase de transição, obscureceu as informações sobre a real situação do mercado de trabalho no país, justamente neste momento em que políticas públicas estão sendo discutidas e desenhadas para minimizar o drama do desemprego recorde e da grave desigualdade de renda. Até 2019 a prestação de contas do emprego formal, das empresas para o governo, era feita por um sistema próprio do Caged. Com a mudança, ela passou a ser feita através das informações colhidas pela plataforma única do eSocial. Essa era, aliás, uma antiga reivindicação das empresas que estavam obrigadas a preencher 13 diferentes documentos oficiais com as informações relativas às admissões e desligamentos de empregados. Nesse sentido, a substituição dessa coletânea por uma única plataforma seria bastante elogiável.

Substituição do Caged pelo eSocial penaliza estatísticas. Dentre os problemas gerados, porém, está o fato de que nem todas as empresas aderiram a esse novo sistema e boa parte das que aderiram não informou os desligamentos, mas somente as admissões, segundo informações em notas técnicas oficiais. Algumas continuaram informando sobre as demissões no Caged tradicional e outras simplesmente não passaram essa informação para as estatísticas.

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, outra base de dados coletados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que revela a taxa oficial de desemprego do país, também enfrenta problemas. Um estudo feito em março pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que, ao deixar de ser presencial para ser feita por telefone, por causa da pandemia, a pesquisa teria reduzido o número de entrevistas pela dificuldade do IBGE em obter um cadastro de telefones. Tal suspeita decorre do fato de a queda estar concentrada, sobretudo, no grupo de indivíduos que seriam entrevistados pela primeira vez no segundo trimestre de 2020.

O box “Estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua ajustadas para a redução da taxa de respostas na pandemia”, do relatório trimestral de inflação divulgado ontem pelo Banco Central, investigou os impactos da diminuição da taxa de respostas da Pnad Contínua em indicadores do mercado de trabalho. Os resultados de dois métodos de ajuste indicam que o possível “viés de seleção em variáveis ligadas à demografia não parece ter implicado mudanças relevantes em estimativas agregadas de ocupação e participação no mercado de trabalho”, diz o texto.

“Está bem complicado acompanhar as estatísticas do mercado de trabalho”, admite Bruno Ottoni, pesquisador da IDados, salientando a mudança na relação entre os dados do emprego e a atividade econômica. Ottoni atribui a dificuldade à fase de transição de um sistema para outro e considera que o novo Caged, que será produzido com as informações do eSocial será mais tempestivo e facilitará a vida das empresas que vão operar em uma única plataforma. O novo Caged será mais amplo do que o velho, pois vai levar em conta subgrupos celetistas a exemplo de bolsistas e microempresários individuais (MEIs), até então não contabilizados pelo cadastro geral. O Caged foi criado em 1965 com fins trabalhistas, enquanto o eSocial, criado em 2014, tem caráter tributário, previdenciário e trabalhista. Por esse motivo, o último sistema capta um volume de informações mais amplo que o Caged. Isso se a adesão das empresas for grande e se as informações forem preenchidas de forma correta.

Nota técnica da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, de meados do ano passado, chama a atenção, como citado anteriormente, para o fato de parte relevante das empresas ter informado as contratações mas não os desligamentos. Informações da Pnad revelam que no último trimestre de 2020 o número de desocupados chegou a 13,92 milhões, comparados a 11,63 milhões de desocupados no ultimo trimestre do ano anterior, antes, portanto, da pandemia. A população ocupada caiu de 94,55 milhões de pessoas em 2019 para 86,17 milhões em igual período de 2020. A força de trabalho, portanto, que era de 106,18 milhões de pessoas em 2019, com a pandemia caiu para 100,10 milhões. Para Ottoni, será muito difícil, senão impossível, que a diferença de 6 milhões de pessoas seja absorvida pelo mercado de trabalho neste ano.

Claudia Safatle é jornalista da equipe de criou o Valor Econômico e escreve às sextas-feiras
E-mail: claudia.safatle@valor.com.br

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