Folha de S.Paulo
O mercado de trabalho formal tem criado menos vagas do que o originalmente divulgado pelo governo Jair Bolsonaro em cada mês de 2021.
No acumulado de janeiro a outubro, o resultado atualizado do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) aponta para menos 166 mil postos criados do que o anteriormente registrado.
Os números apresentados nesta terça-feira (30) pelo Ministério do Trabalho e da Previdência já haviam mostrado uma reversão no saldo de empregos em 2020, que passou de um saldo líquido de 75 mil vagas criadas para 191 mil vagas cortadas —acabando com o discurso do governo de que houve crescimento mesmo em meio à pandemia.
No caso de 2021, os ajustes feitos até agora não chegam a mudar o sinal do saldo e, por isso, o país continua criando vagas. Mas a atualização aponta para uma média mensal de 18,5 mil vagas a menos do que o originalmente divulgado.
Os números ainda podem passar por novos ajustes.
Bruno Dalcolmo, secretário-executivo de Trabalho e Previdência, afirmou que os ajustes têm sido feitos por causa da incorporação de dados entregues por empresas fora do prazo.
A atualização é tradicional no Caged antes mesmo do governo Bolsonaro, mas foi intensificada tanto pela dificuldade das companhias de se adaptarem a uma mudança de metodologia como pelas dificuldades impostas pela pandemia.
No começo de 2020, o governo passou a considerar nos dados do Caged os números do eSocial (Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas) —pelo qual as empresas devem prestar informações ao governo.
O processo de adaptação fez empresas comunicarem mais dados fora do prazo, o que a pasta dizia tentar compensar usando números de outras fontes.
“Você tem micro e pequenas empresas entrando no eSocial, que não estão acostumadas com isso, então é natural que haja um processo de adaptação”, disse Dalcolmo.
Apesar da troca de sinal —de positivo para negativo— em 2020, o secretário-executivo defende que as mudanças são ínfimas se comparadas ao volume de dados.
Os ajustes no Caged são recorrentes e ocorrem todos os meses antes mesmo da troca de metodologia. Mas em 2020 e 2021 tem ocorrido um fenômeno inverso ao observado antes.
Em 2017, 2018 e 2019, os ajustes nos números melhoravam os dados. Agora, as atualizações os pioram.
As diferenças entre os números originalmente divulgados e os ajustados são geradas por discrepâncias tanto nas admissões como nos desligamentos, mas a diferença é maior neste último caso em 2021.
Nas admissões, a subnotificação média mensal tem sido de 5,5% em 2021. Já nas demissões, de 7,7%.
O economista Daniel Duque, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirmou que a discrepância nas informações ocorreu tanto pela implementação da nova metodologia do Caged como pela pandemia.
“Isso [mudança metodológica e pandemia] gera o cenário perfeito para ter subnotificações de demissões no momento em que você fecha sua empresa. Não acho que o governo seja culpado, mas a euforia que foi propagada se revelou não condizente com a realidade do mercado de trabalho”, afirmou.
Para Duque, agora está esclarecida a diferença entre os dados do Caged e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) —que apontavam dificuldades maiores no mercado de trabalho. “Está explicado finalmente esse enigma”, disse.
Em novembro de 2020, diante de questionamentos sobre os números, os técnicos já afirmavam que houve uma dificuldade na adaptação das empresas à nova metodologia.
“A gente vê uma mudança de comportamento das empresas nesse período pela transição dos sistemas, que resulta em empresas comunicando fora do prazo com mais frequência”, afirmou na época Mariana Eugênio, coordenadora-geral na então Secretaria de Trabalho.
Mas a visão era que as diferenças estavam sendo corrigidas com outras fontes de dados, como o seguro-desemprego.
“Tem um momento pré-pandemia onde a gente já observava, na transição para o novo Caged, que havia atraso na comunicação. Isso foi resolvido a partir de dados do seguro-desemprego e, pós-pandemia, o Caged segue aberto para receber essa informação”, afirmou na época Luís Felipe Batista de Oliveira, assessor da então Secretaria de Trabalho.
Em julho de 2021, diante de informações sobre o nível de desemprego no país apontado pelo IBGE, o ministro Paulo Guedes (Economia) chegou a dizer que o instituto estava “na idade da pedra lascada”, em uma crítica à metodologia da Pnad Contínua.
Para o ministro da Economia, os dados do Caged mostravam que o Brasil estava criando empregos “muito rapidamente”.