Empresas e trabalhadores terão que esperar pelo menos até o próximo ano para uma definição sobre qual índice deve ser aplicado para a correção de dívidas trabalhistas. Previsto na pauta de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento não foi retomado pelos ministros. Faltam dois votos para a conclusão. A maioria já votou contra a aplicação da Taxa Referencial (TR), prevista pela reforma trabalhista e afastada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Mas se dividem sobre qual índice deve ficar no lugar – mais favorável às empresas ou aos empregados.
Enquanto os ministros não definem o assunto, segundo advogados, vale a jurisprudência da Justiça do Trabalho: IPCA-E mais juros de mora de 1% ao mês. Em 2019, o IPCA-E atingiu 3,91%, enquanto a TR não variou. Com a TR praticamente descartada, outra possibilidade levantada no Supremo foi a aplicação da Selic. A proposta favoreceria as empresas. Se a taxa fosse aplicada em 2019, a correção seria de 5,96%. Nos dois casos, a correção da fase pré-processual seria pelo IPCA-E.
Em junho, o relator no STF, ministro Gilmar Mendes, chegou a determinar a suspensão do trâmite de ações que discutem o tema, mas elas seguem sendo julgadas, de acordo com advogados. O caso estava pautado para ontem, para os votos dos ministros Dias Toffoli e Nunes Marques. Mas não foi analisado por causa do processo sobre vacinação, que continua em julgamento hoje. O debate sobre os índices envolve duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC 58 e ADC 59) e duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 5867 e ADI 6021). As duas primeiras foram apresentadas, respectivamente, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e pela Confederação Nacional de Informação e Comunicação Audiovisual.
As entidades pedem a aplicação da TR para todo o período, como foi estabelecido pela reforma trabalhista – Lei nº 13.467, de 2017. Já a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), autora das ADIs, quer o IPCA-E. O julgamento, suspenso em agosto, está empatado em quatro a quatro. A tese da TR, definida pela reforma trabalhista, já não tem mais chances. Foi refutada pelos oito ministros que votaram na ocasião. “É muito urgente [concluir o julgamento]. Há uma intranquilidade muito grande”, afirma José Pastore, professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP. De acordo com Pastore, os juros de mora estão previstos na Lei nº 8117, de 1991, quando a inflação anual estava em 472% e a correção de 12% não era tão significativa como hoje. “Juros de 12% mais IPCA-E chegam a cerca de 16%, quase quatro vezes a inflação de 2019. Virou um investimento.”
Com a inflação tão baixa e a correção alta e o Judiciário “espichando o prazo”, acrescenta Pastore, as empresas são obrigadas a fazer provisões muito altas nos balanços para respeitar as sentenças trabalhistas. “Em um ano tão difícil como o atual você congelar dinheiro numa altura dessa não é uma boa estratégia”, diz. João Póvoa, sócio do Bichara Advogados, afirma que a maior parte das empresas já não faz as provisões com base na TR por causa do entendimento da Justiça do Trabalho. “E depois do início do julgamento no Supremo as companhias ficaram ainda mais preocupadas”, diz.
Para o advogado, o voto do relator deixou certa confusão sobre os juros de mora e, com o empate, há insegurança. “Os juízes não estão suspendendo processos para aguardar o fim do julgamento no STF”, afirma. Na prática, acrescenta, as execuções seguem normalmente e muitos casos já foram encerrados e pagos com a correção pelo IPCA-E. “E o STF só vai pensar em modulação [um limite temporal para a validade da decisão] quando o julgamento terminar.” O impacto do julgamento é grande. Segundo o advogado Arnaldo Barros Neto, sócio do escritório Martorelli Advogados, o índice de correção monetária é discutido em quase todas as reclamações trabalhistas. O vice-presidente da Anamatra, Luiz Antonio Colussi, destaca que há oito votos reconhecendo que a TR vai contra o direito de propriedade do credor trabalhista por não recompor o valor da moeda. Mas pondera que retirar os juros de mora seria reduzir um mecanismo de proteção social. “A utilização da Selic ‘pura’ significa estímulo à inadimplência, desvalorização monetária da decisão judicial e perda de direitos sociais.”
VALOR ECONÔMICO