Condução da economia tem baixa confiança e preocupa, diz pesquisa

Sondagem mostra que 31,5% temem política econômica e 28,4% vêm emprego como questão principal

Por Marsílea Gombata — De São Paulo

A falta de confiança na política econômica do governo é hoje a maior razão por trás do pessimismo com a situação atual da economia. A incerteza quanto às diretrizes supera até mesmo a inflação no ranking de fatores que influenciam a avaliação desfavorável sobre o cenário econômico do país, mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Segundo a sondagem, parcialmente publicada no Boletim Macro de agosto, do FGV Ibre, para 31,5% dos entrevistados, a baixa confiança na política do governo é o fator que mais influencia a avaliação negativa sobre a situação econômica do país. A inflação vem em segundo, com 28,4%, seguida por mercado de trabalho (12,3%), efeitos da pandemia (9,7%), endividamento das famílias (9,5%), incerteza (3,1%) e taxa de juros (2,6%). A coleta de dados foi feita entre 1º e 21 de julho com 1.573 respondentes.

Para economistas, os resultados refletem a avaliação em relação ao governo atual e se misturam com o debate eleitoral. Eles ressaltam que questões como mercado de trabalho e inflação têm peso maior para os mais pobres e a condução da política econômica é preocupação maior para os mais ricos. No curto prazo, a tendência é esse cenário continuar, afirmam.

No estudo, a faixa 1 diz respeito às famílias cuja renda vai até R$ 2.100 mensais. A faixa 2 é para rendas entre R$ 2.100,01 e R$ 4.800, e a 3 vai de R$ 4.800,01 a R$ 9.600. A 4 vale para famílias com rendas a partir de R$ 9.600,01.

O levantamento mostra que as faixas de renda 2 (34,9%) e 4 (33,2%) citam mais a falta de confiança na política econômica do que as rendas 1 (27,3%) e 3 (29,8%). A inflação como grande problema está mais presente nas rendas 4 (35,2%), 3 (29,3%) e 2 (28,3%) do que na 1 (20,3%).

O mercado de trabalho pega mais para famílias mais pobres (20,2%), enquanto efeitos da pandemia pesam mais para aquelas na faixa de renda 3 (13,4%). O endividamento também é dor de cabeça maior para famílias mais pobres, de renda 1 (16,3%), do que para os mais ricos, de renda 4 (5,5%).

Segundo Rodolpho Tobler, economista do FGV Ibre responsável pelo levantamento juntamente com Viviane Seda, os resultados falam sobre a percepção em relação ao governo e à situação atual.

“A falta de confiança na política econômica é maior para todas as faixas de renda. Na 1 pesam também mercado de trabalho e endividamento, enquanto na 4 política econômica e inflação somam quase 70%. Em geral, são pessoas mais ricas e escolarizadas, que compreendem um pouco melhor como a política econômica atinge suas vidas.”

A pergunta da pesquisa, afirma Tobler, era sobre a situação geral da cidade ou país, e não apenas a da pessoa ou sua família. “Na faixa 1 de renda, pode haver pessoas que não conseguem emprego ou têm um emprego aquém do que gostariam”, afirma ao pontuar que o mercado de trabalho é mais relevante para essas famílias. Ele chama atenção também para a parcela significativa dos mais pobres que citam o endividamento como maior fonte de preocupação.

“Os resultados falam mais sobre a situação atual do que dão pistas sobre o que pode ocorrer na eleição presidencial. É mais a marca negativa da percepção em relação ao presente, que reflete a falta de confiança na política econômica”, diz.

O levantamento foi realizado em julho. Tobler acredita, contudo, que as sondagens feitas a partir de agosto podem retratar a inflação com destaque menor, por causa da queda dos preços observada recentemente.

Na avaliação de Rodolfo Margato, economista da XP, incertezas eleitorais estão levando entrevistados a citar a política econômica como maior dor de cabeça.

“Pelo timing da sondagem, parte das incertezas eleitorais deve ter levado respondentes a colocar a política econômica como principal fonte de preocupação”, afirma. “Eleições e dúvidas sobre quem governará o país nos próximos anos podem afetar a preocupação com o lado fiscal e a intervenção no ambiente econômico, se o próximo governo permitirá inflação mais alta ou aumento das despesas, se olhará mais para mercado de trabalho e crescimento econômico ou mais para inflação e metas.”

Ele argumenta que temas como inflação e emprego preocupam mais estratos mais sensíveis a preços, porque mexem com o poder de compra. Os mais ricos, por sua vez, conseguem se defender melhor da alta dos preços e das incertezas do mercado de trabalho, com participação [que têm] no mercado financeiro, com aplicações atreladas a inflação e alta de juros.

Ainda que o levantamento tenha buscado desmembrar as respostas, elas não são independentes, afirma Simão Silber, economista da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Artuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Quando se fala de inflação e política macroeconômica, as coisas estão interligadas.”

Silber argumenta que o momento embute uma piora significativa do padrão de vida das pessoas, em especial dos mais pobres. “[Mas,] por razões diferentes, tanto o pobre quanto o rico estão preocupados com o governo”, afirma.

“As pessoas mais ricas estão mais preocupadas com a política econômica porque são as que mais têm a perder, do ponto de vista de propriedade. Para o pobre, falar de imposto sobre riqueza é vendeta. Para o rico, não”, acrescenta.

O aposentado Carlos Alberto Custódio, de 76 anos, se diz extremamente preocupado com a política macroeconômica do governo atual e do próximo. “A situação não está muito boa. Está bem ruim, na verdade. A inflação pega a gente e, quando está alta desse jeito [como agora], prejudica muito os negócios das empresas e o mercado de ações”, diz.

Nos últimos dois anos, Custódio viu o que tinha investido no mercado financeiro encolher 30%, de R$ 900 mil para R$ 600 mil.

“Acabei aplicando meio que especulando um pouco e dancei. Perdi uma bela grana”, conta sobre os investimentos em renda variável que ainda tem. “Com a pandemia, a bolsa desceu entre 30% e 40%. Por isso, agora achei melhor proteger o que tenho investido.”

Formado em economia, ele argumenta que o mercado de ações sofreu pelo choque global. Mas afirma que a alta dos juros domésticos também contribuiu para piorar sua posição como investidor.

“O choque foi mundial, mas acho que a insegurança aqui e a alta dos juros acabaram me prejudicando. As empresas acabam ficando com menos lucro e suas ações despencam. Quem investiu nelas acaba se dando mal”, afirma. “Em 2019, ainda estava bom. Mas depois vieram a pandemia e a guerra na Ucrânia. Agora o mundo todo está subindo juros.”

Custódio decidiu acionar um tipo de seguro para o que ainda tem investido até setembro do ano que vem, para dar tempo de o nível de incerteza diminuir. O recurso impede que o investimento oscile com baixas e altas do mercado. “Estou achando que a situação no próximo ano ainda será muito difícil para o Brasil e para o mundo.”

Com o rendimento das ações nas quais investiu congelado por um tempo, Custódio mantém a casa onde vive com a esposa, Heliette, de 75 anos, com a aposentadoria de R$ 4.300. Quando preciso, complementa com retiradas da reserva de emergência e de aplicações em renda fixa. Mas, com a inflação acelerando, ele tem visto os gastos excederem a receita cada vez mais. “Estou preocupado”, diz.

Angústia semelhante tem a advogada Ana Carolina Vivanco, de 38 anos. Ela teme que seu salário se torne insuficiente para manter a casa onde vivem ela, o marido, e as duas filhas. Desde março, quando o preço de alimentos começou a acelerar com força, viu o que gastava no mercado dobrar e precisou fazer um downgrade do plano de saúde que pagava para ela, Ísis, de 7 anos, e Atiye, de 6 meses.

Durante a gravidez da segunda filha, bancos atendidos pelo escritório onde trabalha começaram a demandar que funcionários do setor jurídico voltassem para o trabalho presencial diariamente. Ficou preocupada com o aumento de gastos que teria. “Como os combustíveis haviam subido muito, uma boa parte do que ganho iria para isso, se eu tivesse que voltar para o presencial todo o dia”, diz.

Ana ainda trabalha de casa, mas teme ter de começar a ir para o escritório no próximo semestre. “Da minha casa, em São Bernardo, para o trabalho, no Tatuapé, levo 45 minutos para ir e uma hora e meia para voltar. Antes da pandemia, eu gastava R$ 800 por mês de gasolina”, diz. “Não sei como estarão os preços no ano que vem. Mas tenho medo de gastar praticamente todo o meu salário enchendo o tanque.”

Com o marido, Régis, de 36 anos, à procura de emprego, quem sustenta a casa é ela. Os R$ 6.000 líquidos que recebe por mês pagam a prestação do financiamento do apartamento de R$ 1.170, R$ 278 de condomínio, R$ 240 de luz, R$ 40 de gás, R$ 350 de internet, TV a cabo e celular. A escola da filha mais velha custa R$ 800, mas ela se esforça para pagar sempre até o dia 1º de cada mês para ganhar 30% de desconto na mensalidade.

O gasto com supermercado na casa de Ana passou, no último ano, de R$ 1.200 para R$ 1.800. O seguro saúde que paga para ela e as filhas recentemente foi reajustado para R$ 2.800. Mas Ana preferiu mudar para um plano mais simples e voltar a pagar R$ 2 mil.

“O preço das coisas está subindo muito. E isso me preocupa demais, porque vejo que meu salário não está dando para arcar com a família”, conta. “E nem luxo temos. Não viajamos ou saímos. Antes eu pedia pizza e ia ao McDonald’s toda semana. Agora pedimos pizza quando dá.”

No escritório em que trabalha, demissões recentes de gerentes e diretores ligados à área de cobrança a deixaram preocupada. “Isso ainda não chegou ao jurídico, mas causa insegurança porque não sei como vai ficar essa situação do trabalho”, diz. “Tudo isso acaba mexendo muito com minha cabeça.”

Preocupações desse tipo devem se manter no curto prazo, apesar do resultado das eleições presidenciais de outubro, diz Tobler.

“Independentemente de quem ganhar, esse quadro não vai mudar muito. Pode haver uma lua de mel, mas a inflação continuará alta, e o mercado de trabalho, [se recuperando] com renda menor e com muita gente de fora”, diz. “[Além disso], não está claro se haverá continuidade dos auxílios e como se resolverá a questão fiscal. Qual será o caminho para melhorar o mercado de trabalho e a percepção de política econômica?”.

Margato tem visão semelhante e acredita que, seja quem vencer o pleito, deve demorar até indicar como será a política econômica.

“A nossa expectativa é que a preocupação com a política econômica deixe de aparecer no médio prazo. Uma vez que haja sinalizações mais claras da política macroeconômica, a tendência é que tópicos específicos voltem a encabeçar a lista como principal fonte de preocupação, como endividamento das famílias e juros altos.”

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/09/20/conducao-da-economia-tem-baixa-confianca-e-preocupa-diz-pesquisa.ghtml

Compartilhe