Condomínios vivem ‘segunda onda’ de litígios com prolongamento da pandemia

Quando a pandemia levou mais de 7,9 milhões de pessoas para o home office, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estresse predominou nos condomínios residenciais. Entre março e agosto do ano passado, a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (AABIC) chegou a registrar aumento de 300% nas reclamações entre vizinhos.

Com o passar do tempo, o comportamento dos moradores melhorou, mas parece que foi momentâneo. Um levantamento realizado com 5 mil condomínios brasileiros no primeiro trimestre de 2021 pela Winker, especializada em soluções tecnológicas para o mercado imobiliário, apontou que a quantidade de multas e advertências, que estava em queda nos últimos meses de 2020, voltou a subir em janeiro deste ano. Uma pesquisa da Lello Condomínios realizada em abril confirma as suspeitas: entre os síndicos entrevistados, 43,2% disseram que o número de ocorrências de barulhos e brigas entre vizinhos cresceu durante a pandemia e 23,6% afirmaram que o problema piorou em 2021.

Entre as principais dificuldades enfrentadas pelos síndicos após um ano de crise sanitária estão as obras nas unidades (23%), conflitos entre vizinhos (22%), a questão do uso ou fechamento das áreas comuns (15%), fazer o condôminos cumprirem as normas de segurança (13%) e a inadimplência, relatada também por 13% dos entrevistados. Quando questionados sobre o que mais fez falta no período da pandemia para exercer o cargo, 47% disseram ter sido a ausência de compreensão dos moradores sobre as decisões tomadas para a segurança de todos no condomínio.

“As pessoas estão já muito cansadas de todo esse processo”, observa Angélica Arbex, diretora de marketing e inovação da Lello Condomínios. “A gente viveu uma piora muito grande no início do ano no número de casos (de covid-19), internações e mortes, e os condomínios precisaram de novo reagir e endurecer as regras de uso e convivência nos espaços comuns”, explica. Apesar de ter notado um pouco mais de resistência por parte de alguns condôminos, Angélica fala que a grande maioria compreendeu o momento e optou por priorizar o espaço mais importante no cenário atual – a casa.

Longo prazo
Para Bruno Cordeiro, fundador da administradora digital Condofy, é o momento de aceitar a realidade de que certas questões não vão mudar tão cedo. “As assembleias já estão com propostas de longo prazo, como colocar wi-fi no condomínio todo, porque as pessoas ainda vão ficar em casa por um bom tempo”, diz. Ele acredita, no entanto, que a impaciência dos condôminos se deve ao prolongamento de uma situação que todos pensaram que acabaria mais rápido. “Na primeira onda, todo mundo pensava que não teria decisões definitivas porque isso passaria logo. Mas, quando viram que não, ficaram irritados e frustrados”, diz.

O fato de as empresas também terem tomado decisões definitivas sobre o formato de trabalho contribuiu para a insatisfação. Segundo ele, 80% das pessoas já sabem que passarão definitivamente a trabalhar de casa – e isso significou o início de mais um monte de obras, quebração de paredes, mudanças na rede elétrica e até mesmo melhorias nas áreas comuns, já que o uso tende a aumentar.

Com a restrição na circulação de pessoas, as equipes que trabalham nas reformas também ficaram mais enxutas, esticando os períodos de barulheira. E os conflitos, consequentemente, voltaram a crescer. “No caso da Condofy, tem até uma síndica que proibiu obras no horário do cochilo dela à tarde”, diz. “Mas não tem jeito, é uma revolução: o que acontecia antes nos condomínios comerciais migrou para os residenciais.”

Três fases
De acordo com Rafael Bernardes, síndico profissional que administra mais de 40 condomínios com um total de 20 mil moradores, é possível dividir o comportamento das pessoas em três momentos da pandemia. O primeiro foi de pânico, quando todos ficaram presos em casa de repente. “Foi uma adaptação confusa, com pais e crianças em casa, obras em andamento, cachorro na varanda, garimpo de álcool em gel e rebeldia na hora de fechar as áreas comuns”, ele relata. “Aí todos olhavam para o síndico querendo respostas, mas a gente também não tinha.”

Já o segundo momento ele define como “paz no condomínio”: os moradores começaram a ajudar os vizinhos, fazer compras uns para os outros, assistir a shows da sacada e aplaudir. “Foi uma situação de evolução da humanidade, mesmo”, lembra o síndico. Mas então começou o abre-e-fecha, que gerou nova confusão no humor, na opinião dele. “O conflito predominou na crise”, avalia. “Nos últimos três meses, virou uma anarquia total.”

Bernardes conta que, no caso dos condomínios que administra, as pessoas desistiram do não aglomerar, do uso da máscara nas áreas comuns e do álcool em gel, que agora sobra nos dispensers dos prédios. “Fora a inadimplência por conta do desemprego e de pequenos empresários que quebraram na crise”, desabafa. “Estamos multando em dobro, os casos de violência doméstica triplicaram. A sensação é de viver uma guerra e o síndico virou para-raios dessa situação.” Com a perspectiva de a pandemia se arrastar por tempo ainda indeterminado no Brasil, a conclusão não é muito otimista. “A gente percebeu que, na crise, os moradores afloraram um sentimento de coletividade, mas infelizmente o ser humano não é herói por natureza”, reflete. “Nenhum síndico estava preparado para isso.”

O ESTADO DE S. PAULO

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