Regulamentação do trabalho em plataformas digitais segue sem solução definitiva e desafia governos e especialistas
Mais do que regulação, muita gente pede leis de proteção aos trabalhadores de aplicativos e da chamada gig economy (baseada em bicos). Mas ninguém sabe como fazer isso. As propostas nessa direção contidas nos programas dos candidatos à Presidência da República são raras e vagas. Esta é uma discussão global, e não apenas brasileira. O desentendimento sobre a matéria talvez comece com a falta de percepção de que há uma revolução em curso na natureza do trabalho e de que as coisas não podem ser resolvidas apenas com um simples enquadramento das novas modalidades de ocupação à legislação trabalhista vigente.
Além disso, convém perguntar se, diante das transformações que se intensificaram com a proliferação do uso de plataformas digitais e com o regime do home office, a maior prioridade é de fato a aplicação pura e simples de leis trabalhistas ou garantir mais ocupação, ainda que com aumento da informalidade. Estudo promovido por pesquisadores da Clínica de Direito do Trabalho da UFPR estima que, no fim do primeiro semestre de 2021, mais de 1,4 milhão de pessoas trabalhavam para plataformas digitais no Brasil, o que corresponde a 1,6% do total de ocupados no período.
Como vem advertindo o especialista em Economia do Trabalho José Pastore, este é um tema urgente do ponto de vista social, porque milhões de brasileiros têm trabalhado sem nenhuma proteção. “Isso é uma desumanidade. Seja quem for que ganhe a eleição, o próximo presidente terá que tomar iniciativa e enviar uma proposta de proteção desses trabalhadores para o Congresso Nacional aprovar com urgência.”
Pastore defende um modelo baseado em disposições previdenciárias. O sistema brasileiro conta com 25 tipos de cobertura (como salário-maternidade, auxílio por acidente de trabalho, auxílio-doença, aposentadoria por idade) que garantem certa renda quando o trabalhador não tem condições de ganhar a vida. Isso poderia ser feito independentemente do reconhecimento do vínculo empregatício.
Essa proposta exigiria um modelo novo de contribuição ao INSS que incluísse essa categoria sem, no entanto, afugentar do sistema empresas e trabalhadores.
Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), sugere que, ao incluir esses trabalhadores, se obtenha a recomposição da cobertura previdenciária com receitas do Imposto de Renda ou com a arrecadação de um novo imposto sobre o faturamento das empresas – algo complicado e sujeito a descaminhos.
“Nós temos que encontrar recursos para financiar a Previdência, porque esse é um dos grandes entraves. Precisamos construir um reacordo para compor esse orçamento, que se transfira a contribuição sobre a folha de pagamento para outras bases de financiamentos. Elas podem ser a tributação sobre o faturamento das empresas ou sobre o lucro, como podem, também, ser em parte do Imposto de Renda”, explica o diretor da Dieese.
Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, entende que qualquer proposta só poderá avançar se obtiver apoio político, difícil de obter numa situação de forte deterioração das contas públicas e polarização, como agora./ COM PABLO SANTANA
https://www.estadao.com.br/economia/celso-ming-direitos-trabalhadores-aplicativos/