Valor Econômico
Pesquisa com 2 mil profissionais, de empresas com mais de 500 funcionários, indica que companhias têm um longo caminho para criar uma cultura orientada por dados
Por Adriana Fonseca
Por muito tempo falou-se do analfabetismo digital. Agora, estamos na era do analfabetismo de dados. Entram nessa classificação profissionais que não têm, ao menos, habilidades básicas relacionadas ao assunto. Na definição da Tableau, plataforma de análise da Salesforce, uma pessoa alfabetizada em dados tem a habilidade de explorar, entender e se comunicar com dados – o que inclui a capacidade de pensamento crítico para usar, interpretar e tomar decisões com dados e, depois, transmitir a importância e o valor deles às pessoas.
Uma nova pesquisa, feita este ano pela Forrester Consulting a pedido da Tableau, identificou que, apesar de as organizações estarem coletando e processando mais dados do que nunca, a capacidade dos trabalhadores de entender, analisar e usar esses dados para uma melhor tomada de decisões e avanço dos objetivos corporativos não acompanhou o crescimento tecnológico. Foram ouvidas pouco mais de 2 mil pessoas, entre líderes e liderados, em 10 países, incluindo o Brasil. Todos os entrevistados trabalham em empresas globais com mais de 500 funcionários.
Globalmente, e também no Brasil, saber conceitos básicos de dados foi considerada a habilidade mais importante no momento pelos entrevistados, sejam eles gestores ou funcionários. Outras competências citadas em destaque pelos brasileiros, em segundo e terceiro lugar, respectivamente, foram boa comunicação e computação básica.
Segundo a pesquisa, 82% dos gestores dizem esperar pelo menos uma alfabetização de dados básica de todos os funcionários da companhia – incluindo, portanto, aqueles que atuam fora dos departamentos de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg. Mais de três quartos dos tomadores de decisão que responderam à pesquisa esperam, atualmente, que os trabalhadores usem dados sempre que possível.
No levantamento, os gestores disseram que menos de 40% dos seus funcionários usavam dados intensamente como parte das suas funções três anos atrás. Hoje, esse número é 55%, e a estimativa é que alcance 69,5% até 2025, globalmente.
Jaime Müller, country manager da Tableau no Brasil, explica que essa “noção básica” esperada do funcionário significa que, ao ter acesso aos dados, apresentados de forma visual, o profissional consiga entender as variáveis e obter parâmetros mínimos de informações para tomadas de decisões. “Muitas vezes somos expostos a muitos dados, mas não conseguimos entendê-los, porque estão em formatos complexos, requerem um conhecimento prévio que não foi passado ou porque não estão contextualizados”, afirma.
Em um nível mais avançado de conhecimento, aí sim para profissionais mais técnicos, entram as habilidades específicas de ciência dos dados, inteligência artificial e aprendizado de máquina, além de técnicas avançadas de análise.
Apesar da necessidade crescente para que o profissional seja alfabetizado em dados, menos da metade dos funcionários ouvidos na pesquisa (47%) recebeu ofertas de treinamentos em habilidades básicas de dados. O que se vê mais comumente, comenta Müller, é o profissional aprendendo “ad hoc”, ou seja, no dia a dia do trabalho, à medida que se faz necessário.
Entre os treinamentos relacionados a dados mais comuns ofertados às equipes estão aqueles que fornecem a capacidade de usar ferramentas de visualização e análise de dados (35%), os que possibilitam a capacidade de usar ferramentas ou linguagens de dados estatísticos (29%) e os que permitem aprender a ler saídas de dados relevantes à função exercida (27%). Para 69% dos gestores ouvidos, a falta de habilidades de dados impede que os funcionários usem informações eficientemente na tomada de decisões.
Quando perguntados sobre quais habilidades deveriam ser aprendidas principalmente durante o trabalho, ambos os entrevistados brasileiros, líderes e funcionários, colocaram noções avançadas em dados em primeiro lugar (63,7%). Outras habilidades destacadas foram pesquisa, apresentação e gerenciamento de projeto.
Ainda que os treinamentos possam ajudar, Müller ressalta a importância de implementar uma cultura de dados na companhia. Trata-se de um conjunto de comportamentos e crenças coletivos que inclui os dados nas operações, mentalidade e identidade de uma organização. “A implementação dessa cultura é fundamental”, diz. “Hoje, o mundo está repleto de dados. A grande questão é como organizar tudo isso em um processo cultural.”
Para ele, ter uma cultura de dados implementada na empresa significa “desbloquear o poder dos dados para todos os funcionários trazerem uma visão mais estratégica e embasada, que traga benefícios aos seus departamentos”. “Não é a ferramenta ou a https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg que torna a empresa ‘data driven’, são as pessoas.”
Além de permitir tomadas de decisão mais assertivas e rápidas, a alfabetização em dados e uma cultura orientada a essa jornada são fatores de atração e retenção de talentos. Na pesquisa, quase 80% dos funcionários disseram ser mais provável permanecer em uma empresa que oferece treinamento suficiente para as habilidades de dados que eles precisam. “Empresas que estão em estágio mais avançado da jornada ‘data driven’ melhoram a atratividade de talentos, porque as pessoas que têm acesso a dados para exercer seus trabalhos estão mais satisfeitas”, diz Müller.
Na visão do executivo, as faculdades ainda não preparam os alunos para terem essa visão orientada a dados. “Houve um crescimento grande de cursos ligados a dados – ciência de dados, engenharia de dados e etc -, mas isso não é o suficiente”, comenta. “Nas outras carreiras isso ainda não chegou como disciplina fundamental.”
Para ele, esse é um movimento que vai acabar sendo natural com a chegada do 5G e a transformação provocada pela pandemia, tornando negócios “digital first”. “Não será mais um assunto à parte, mas integrante da formação curricular de uma pessoa”, acredita. Müller lembra que já há algumas iniciativas nesse sentido, como o ensino de marketing digital dentro da carreira de marketing.