O varejo manteve o vigor em outubro e voltou a superar o patamar recorde atingido pela primeira vez ainda em agosto. As vendas surpreenderam, apesar do segundo mês de redução do auxílio emergencial, e vieram positivas mesmo em segmentos com sinais de esgotamento, como é o caso dos supermercados. Economistas projetam acomodação nos próximos meses, à medida em que o benefício e outros incentivos para o crédito saiam de cena. As incertezas sobre a pandemia de covid-19 também jogam contra o desempenho do setor, assim como a fraqueza do mercado de trabalho, a despeito da recuperação do emprego formal.
De setembro a outubro, as vendas do comércio varejista pelo conceito restrito subiram 0,9%, com ajuste sazonal, segundo informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O dado veio acima da mediana e no teto das expectativas de mercado (0,2% e 0,9%, respectivamente) assim como o varejo ampliado, que cresceu 2,1% na comparação com setembro, ante uma projeção de alta de 1,5%. Com o resultado de outubro, as vendas pelo conceito restrito estão agora 1,3% acima de agosto, primeiro mês de quebra de recorde histórico, segundo o IBGE. Em seis meses, o setor acumula crescimento de 32,9%, após as quedas de março (-2,5%) e abril (-16,6%), meses mais agudos da crise sanitária.
“A surpresa positiva foi justamente o item supermercados, que depois de três meses consecutivos de queda na margem voltou a crescer e acelerou na comparação anual, apesar da inflação de alimentos elevada”, diz Isabela Tavares, da Tendências Consultoria. O segmento de hiper e supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo avançou 0,6% de setembro a outubro, após baixas de 0,3%, 2,1% e 0,3% em julho, agosto e setembro, respectivamente. Isoladamente, esses itens correspondem a 46% do varejo restrito. O resultado acima da expectativa no segmento explica a diferença em relação ao previsto pela Tendências, que apontava recuo de 0,8% do varejo restrito em outubro na comparação mensal. “Nos demais segmentos, a variação veio próxima do que esperávamos.” A disseminação da alta também chamou a atenção dos analistas. “A abertura como um todo no setor foi muito positiva no mês de outubro, a única categoria que apresentou retração foi a de móveis e eletrodomésticos, mas essa contração acontece só porque esses itens, em especial os bens duráveis, já estavam vindo muito bem nos meses anteriores, então há um efeitobase”, explica Lisandra Barbero, economista da XP Investimentos.
A XP projetava altas de 0,8% do varejo restrito e de 1,8% no conceito ampliado, de setembro a outubro. Os dados foram revistos às vésperas da divulgação da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) e antes estavam mais próximos do consenso de mercado. Índice de difusão calculado pela XP aponta que, nos últimos seis meses, 69% do setor varejista vem crescendo em ritmo “expressivo”. “Artigos farmacêuticos, artigos de uso pessoal e doméstico e veículos foram as principais surpresas de alta em outubro”, acrescenta Lisandra.
O bom resultado do varejo também pode ser observado pela redução de empresas que relataram queda na receita em função da pandemia de covid-19, diz Carlos Lopes, economista do Banco BV. “O número de empresas impactadas pela pandemia continua diminuindo. Em outubro, foram 9,7% das empresas reportando impacto da covid, contra 11,1% em setembro e 63,1% lá em abril”, diz o economista, em referência a um questionamento adicional introduzido pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Comércio (PMC). Entre os mais otimistas, a visão é que, apesar do fim do auxílio emergencial em 2021, as famílias ainda têm fôlego para manter as compras. Lisandra afirma que a poupança levantada durante a crise pelos mais ricos deve ainda dar algum suporte ao comércio. “Essas famílias mais ricas fizeram uma certa poupança circunstancial. Como esse dinheiro está represado, esperamos que em algum momento de 2021 elas voltem a consumir de maneira mais acelerada.” O valor economizado pelas famílias deve ajudar o consumo privado até meados do segundo trimestre de 2021, diz o economista Vitor Vidal, também da XP, em relatório elaborado no fim de novembro. “Até setembro, havia cerca de R$ 54,3 bilhões de poupança circunstancial na economia brasileira, o que já é maior que toda liberação do FGTS do ano de 2020 (cerca de R$ 37,8 bi)”, diz o texto.
Entre os mais pessimistas, o consenso é que o retrato do momento está “anabolizado”. “Esse crescimento impressionante (em ritmo anual) logo após um golpe como a pandemia é a marca registrada de distorções significativas. Tais distorções serão, mais cedo ou mais tarde, revertidas pelo péssimo estado das condições do mercado de trabalho e pelo desaparecimento de uma infinidade de estímulos ao mercado de crédito introduzidos nos últimos meses”, diz relatório da Guide Investimentos. De todo modo, o dado de outubro deve ajudar a calibrar as projeções para o varejo em 2020. Após a divulgação da pesquisa, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revisou de 1,9% para 2,3% a projeção de alta do varejo restrito em 2020. Para 2021, a expectativa é de aceleração do segmento, que deve registrar avanço de 4,2%, segundo a entidade. “A perspectiva de maior crescimento da economia no próximo ano em um ambiente de juros ainda baixos para o padrão histórico do país, leva a entidade a projetar avanço de 4,2% para 2021”, diz relatório assinado por Fábio Bentes, chefe da divisão econômica da CNC.
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