A pandemia de covid-19 praticamente fez dobrar no ano passado a quantidade de denúncias de negligência de empregadores nos cuidados com a saúde dos funcionários, de acordo com dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). Apesar do crescimento de autuações e processos, o órgão ainda aponta muita resistência em alguns setores por medidas que evitem a propagação do novo coronavírus dentro das empresas.
O MPT recebeu 36.771 denúncias relacionadas à covid- 19 apenas no ano passado. Desse total, 9.976 resultaram em novos inquéritos e boa parte das demais foi incorporada a processos já abertos contra as mesmas empresas por outras razões. Esses inquéritos levaram a 420 ações civis públicas. Como resultado, 362 Termos de Ajuste de Conduta (TACs) foram firmados com o órgão, que emitiu ainda mais de 13,5 mil recomendações para a correção de problemas
• ‘Problema crônico’
“O Brasil tem um problema crônico em lidar com questões de saúde e segurança do trabalhador. A pandemia intensificou esse problema.”
Márcia Kamei López Aliaga COORDENADORA DO MPT nas firmas.
“A quantidade de denúncias surpreendeu a todos os procuradores. Aumentou muito em relação a 2019, quase dobrou o volume, considerando que continuam chegando demandas que envolvem questões sem relação com a pandemia”, destaca a coordenadora nacional da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do MPT, Márcia Kamei López Aliaga.
Ela lembra a obrigatoriedade de as empresas afastarem os trabalhadores com casos confirmados ou suspeitos de covid-19 para quebrar a cadeia de transmissão dentro do ambiente de trabalho. Segundo a procuradora, a identificação de doenças no trabalho já eram pontos frágeis dos programas de saúde implementados pelas empresas antes mesmo da pandemia do novo coronavírus.
“O Brasil tem um problema crônico em lidar com questões de saúde e segurança do trabalhador. A pandemia intensificou esse problema e o colocou em evidência. Os setores mais afetados pela covid-19 – serviços de saúde e frigoríficos – já eram setores que tinham muitos acidentes de trabalho antes mesmo da pandemia”, diz Márcia. “São ambientes de trabalho que já eram mal geridos em termos de saúde e segurança, com números significativos de casos de doenças e acidentes relacionados a esses riscos.”
Testes positivos. A coordenadora cita relatórios de órgãos de vigilância municipais que atestam que, mesmo pessoas com testes positivos, continuaram trabalhando normalmente após apresentarem apenas sintomas leves da doença. Nesses casos, até mesmo o prejuízo do empregador costuma ser maior, porque os trabalhadores que não foram afastados prematuramente espalharam o vírus para muitos outros funcionários, acarretando mais ausências nas linhas de produção.
“Notamos muita dificuldade para promover esse diálogo social. As tentativas de conciliação do MPT cresceram significativamente, mais de 500 procedimentos de mediação em 2020, mas não conseguimos chegar a um nível de entendimento que tivesse repercussão positiva nos números de contágio. Haverá outras pandemias e, por isso, pedimos reflexão às empresas”, afirma ela.
O ESTADO DE S. PAULO