O Estado de S.Paulo – 06/10/2021 –
Incomodado com o crescimento de uma concorrência calcada em atividades digitais, que conseguiriam evitar pagamento de impostos, um grupo de empresários importantes do País passou a defender a retomada da CPMF. São companhias como Riachuelo, Habib’s e Multiplan Empreendimentos, entre outras. Para fazer chegar esta e outras demandas do setor, foi constituída em agosto a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), um grupo político que tem o apoio do Instituto Unidos Brasil.
Desde então, a Frente tem se reunido semanalmente num bairro nobre de Brasília, e sempre com convidados importantes do momento para discutir assuntos de interesse do grupo. Na terça-feira, 5, o secretário especial da Receita Federal, José Tostes, ouviu a demanda dos empresários sobre a necessidade da volta da CPMF. Aos empresários preocupados com as novas formas de negócio, ele lembrou justamente dos novos meios de pagamento e salientou que, se uma substituição à CPMF for criada, é preciso levar em conta também esse novo quadro.
“Hoje em dia não existe mais comércio somente na forma tradicional. Então, eu uso a moeda digital, eu uso o cashback, eu uso o programa de milhagens para um monte de coisas. Eu não compro apenas com o dinheiro tradicional, então isso não pode deixar de ser considerado se vamos discutir como uma nova tributação poderia incidir”, afirmou.
Tostes disse que, por enquanto, o governo apenas ouve atentamente ao debate, lembrando que, enquanto alguns que defendem a volta da CPMF, há outra ala que é contra. “Não são todos que estão a favor. O governo está observando atentamente”, disse. “Este é um desafio que está colocado. Porque se eu penso na incidência apenas sobre o modelo tradicional, via moeda tradicional, esse monte de outras coisas fica como uma fuga à tributação. Qualquer discussão em torno disso não pode desconsiderar que este é um fato que veio para modificar a forma como o comércio é realizado. É uma nova moeda que está até, que nos desafia a, se for o caso, que seja cobrado algum tributo”, continuou.
A explanação do secretário se deu após a manifestação de alguns empresários. Flávio Rocha, da Riachuelo, enfatizou a nova maneira de informalidade que ocorre no varejo. “Tem ocorrido de forma assustadora, diferente daquela que era quando havia camelô na nossa porta. Agora são camelódromos digitais”, afirmou o empresário, dizendo a Tostes que a forma tradicional de tributar sobre consumo e renda “está exaurida”.
Para Rocha, que já foi próximo do presidente Jair Bolsonaro, a única forma de se rastrear uma atividade atualmente é por meio de débitos e créditos. “Apenas rastreando o sistema financeiro é que se sabe tudo o que se passa na economia”, argumentou, acrescentando que seria uma “base universal” para a incidência de impostos.
Antônio Alberto Saraiva, do Habib’s, atacou diretamente um serviço de alimentação sem citar o nome do aplicativo de entregas iFood. “O maior vendedor de alimentação no Brasil não tem uma panela. Isso é muito louco. Não é possível que não se veja isso”, criticou, afirmando que a receita da companhia superou a do Carrefour no Brasil, empresa que também é membro do Instituto Unidos Brasil. “É algo que não se vê, não se enxerga. É inacreditável como isso está acontecendo na frente de todos dessa forma”, continuou, dizendo que essa atividade de entregas não conta com emissão de nota fiscal tão rígida quanto a de outras áreas.
Já Vander Giordano, da Multiplan Empreendimentos, quis saber se o momento é o mais indicado para se fazer uma reforma tributária no País. Ele também disse que a CPMF é “algo democrático”. “É o mais democrático entre os impostos, mas vamos ter que escolher um nome diferente”, considerou. Também estavam presentes executivos da Ambev, Alshop e Abrasca, entre outros.
Também presente à reunião, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que é relator da reforma tributária no Senado, também comentou que o nome é satânico. O coordenador da FPE na Câmara, Joaquim Passarinho, afirmou ao Estadão/Broadcast que realmente falar em CPMF é citar um palavrão. Para ele, no entanto, não há saída em não levar o assunto adiante, mesmo a um ano das eleições. “Agora tem essa eleição, depois a municipal, então, se for ver, nunca será a hora, mas temos que tratar desse assunto”, disse.
Até porque, segundo o parlamentar, um dos pontos principais da FPE é o aumento da desoneração da folha de pagamentos e o governo só aceitará abrir mão de uma receita se tiver a certeza de outra. “A desoneração a gente já paga, pois está embutida no preço final”, disse ao Estadão/Broadcast.
“Temos que fazer as contas, pois queremos mais desoneração da folha com aumento de emprego. A desoneração hoje é paga apenas por alguns. Se for a CPMF, ainda que tenha qualquer outro nome, poderá ser menor porque a base de arrecadação é bem maior”, comparou.