Uma articulação na Câmara tenta aprovar a possibilidade de recriação de barreiras comerciais para a entrada de produtos estrangeiros no País. A iniciativa contraria posição do Ministério da Economia, que conseguiu acabar com a prática em janeiro e editou uma medida provisória (MP) para que o chamado “preço de referência” fosse proibido. É essa MP que o Congresso quer usar para impor novamente esse modelo, que vigorou no País há mais de 70 anos e é considerado ilegal pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
O governo identificou mais de 10 emendas ao texto da MP que trata de ações para a melhoria do ambiente de negócio que invertem o teor original. Uma delas substitui o “fica vedado” do texto original por “fica autorizado” o “preço de referência”. Críticos do mecanismo que define um preço mínimo para os produtos importados dizem que trata-se de um atalho da indústria para conseguir barrar concorrentes de forma rápida, por meio de procedimentos pouco transparentes e fazendo uso de sua influência sobre a burocracia estatal.
Sem previsão legal, o “preço de referência” é praticado no Brasil desde os anos de 1950. A decisão para qual produto haverá esse tipo de barreira é política. Representantes da indústria apresentam para o governo suas queixas sobre preços não competitivos e tentam convencer o Ministério da Economia, particularmente a área de Comércio Exterior, a impor a barreira. Entre os exemplos de produtos que já tiveram “preço de referência” para entrar no Brasil estão cobertor, óculos, escovas para cabelo, pneus, camisas, tecidos, produtos siderúrgicos, máquinas e equipamentos.
“É uma forma disfarçada de protecionismo”, diz ao Estadão o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz. Ele chama atenção para o risco de abertura de um processo na OMC contra o Brasil se essa prática for mantida. Em 1999 os EUA e a União Europeia abriram consulta na OMC argumentando que o mecanismo brasileiro para proteger a indústria nacional era desleal, desrespeitando acordos internacionais. Na fase de consultas prévias à abertura do painel da OMC, o Brasil recuou e deixou de aplicá-lo às importações provenientes dos EUA e da União Europeia. Mas passou a concentrar o uso do preço de referência nas importações vindas da Ásia, o que foi mantido até janeiro deste ano. “O importador é obrigado muitas vezes a aumentar o preço para conseguir passar por esse mecanismo e tudo isso acaba onerando tanto o consumidor brasileiro”, diz Ferraz.
A indústria alega que esse mecanismo é para combater a prática desleal de comércio porque o produto importado chega muito barato no Brasil por ser subfaturado e por fraudes. Já o Ministério da Economia argumenta que a Receita já faz esse controle com as melhores práticas internacionais, como, por exemplo, seguindo o acordo de valoração aduaneira da OMC. E a área de defesa comercial atuando no combate com ações como medidas antidumpings (prática comercial que consiste em vender produtos a preços menores que os custos para eliminar concorrentes). O Brasil é o quarto País no mundo que mais aplica medidas antidumping como proteção na sua indústria, mas não está nem mesmo na lista dos 27 maiores importadores.
Protecionismo
O embasamento legal para a equipe econômica extinguir a prática foi o artigo da lei de liberdade econômica, que trata do abuso de poder econômico. Foi feito um acordo com a indústria para extinguir de forma faseada, em 3 meses, o que ocorreu entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.
O relator da MP, Marco Bertaiolli (PSD-SP), antecipou que vai retirar o artigo proibindo a prática no seu relatório. “Estão proibindo algo que não é permitido”, pondera. Segundo ele, o acordo que está sendo construído é para excluir esse trecho para não comprometer toda a MP e a discussão deve ser feita adiante. “As indústrias brasileiras não querem que essa prática seja proibida”, admitiu.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), Fernando Pimentel, defende a retirada do artigo e cobra mecanismos efetivos de controle das irregularidades. Pimentel refuta a ideia de protecionismo: “É legítimo que as coisas sejam debatidas visando o combate à fraude. Fizemos propostas para melhorar o nosso ponto de vista. Esse artigo não precisa existir”. Segundo ele, o que está sendo discutido são mecanismos que possam de forma legal enfrentar importações com indícios de irregularidades.
Para o economista do Insper Marcos Mendes, a indústria nacional usa sempre do mesmo “modus operandi”. “Quase sempre são os mesmos segmentos, têxtil, máquinas, equipamentos, automobilística, química, pneumáticos ”, diz. Mendes lembra que o setor já tem a proteção prevista no Mercosul. “As regras do bloco já são uma barreira enorme para a entrada de produtos estrangeiros ”, critica.
O ESTADO DE S. PAULO