Desde o início da pandemia, consultórios e hospitais experimentaram uma sutil mudança nas queixas dos pacientes que os procuraram. Ortopedistas e fisioterapeutas relatam que sumiram as lesões decorrentes da prática de esportes e atividades físicas, e cresceram as queixas sobre dores nas colunas cervical e lombar. Angiologistas relatam um alarmante aumento nos casos de trombose. “Houve aumento de trombose provocada não apenas pela covid-19, mas também devido a hábitos que prejudicam a circulação. Há queixas de dor na perna, sensação de peso, cansaço, inchaço no final do dia”, diz Vanessa Vargas Ferreira, cirurgiã vascular. Com o isolamento social, as pessoas deixaram de fazer atividades físicas.
“Nossas panturrilhas funcionam como um coração periférico. À medida em que a pessoa caminha, elas vão bombeando o sangue das pernas de volta ao coração. Há uma eficácia circulatória, e a pessoa passa a não ter dor porque não há acúmulo do sangue na perna. No caso da trombose, os primeiros sintomas são uma dor que não passa ou inchaço maior em uma perna do que na outra. Nesse caso, a pessoa deve procurar atendimento médico que solicite o exame de ecodoppler venoso”, indica Vanessa. Como prevenção, ela recomenda levantar a cada duas horas da cadeira, utilizar um apoio para os pés, de forma a flexionar e hiperestender os pés, e elevar as pernas por períodos de 20 minutos. Além de evitar o fumo, que aumenta a viscosidade sanguínea. “A Sociedade Brasileira de Cardiologia também recomenda caminhadas de 30 minutos por dia”, completa a médica.
Giovana Pellegrini Covanzi, fisioterapeuta da clínica Gi Covanzi Studio de Pilates, diz que o pilates tem ajudado, com exercícios respiratórios, até pacientes que tiveram covid. Mas a maior parte das queixas é de dores na coluna cervical e lombar que vêm de fatores como falta de ergonomia no mobiliário. Ela recomenda que o monitor fique na altura dos olhos, a fim de evitar que o usuário tenha de olhar para baixo. A cadeira deve ter um apoio para a coluna e braços e ter uma regulagem de altura para descanso dos pés. Os antebraços têm de estar apoiados próximos ao cotovelo, para não gerar desconforto e dores próximos ao trapézio. “Caso a pessoa use só a região da mão e do punho, fará muito mais força para sustentar essa posição. Ficar mais de oito horas assim é outro fator que gera desconforto. Uma dica é não deixar as garrafas de água e de café na mesa, para ser obrigado a levantar e ir à cozinha, dando uma esticada e relaxada”, ensina Giovana.
Fábio Akiyama, fisioterapeuta, observa que a coluna é única e interdependente. Se a pessoa faz uma flexão da cervical por um tempo excessivo, a coluna lombar é obrigada a se adaptar, e pode gerar uma tensão. As dores cervicais estão relacionadas à altura da tela, pois é preciso ter curvas neutras. No caso da lombar, ao se sentar, a pessoa deve ter os pés apoiados no chão e os joelhos num ângulo de 90º. Se estiver acima de 90º, é sinal de que cadeira está alta, e a lombar vai sofrer. Se estiver menor, a cadeira está baixa, sobrecarregando a pelve, que traciona a lombar. A coluna é um dos órgãos mais nobres, e, muitas vezes, não somos treinados para aguentar a tração que exercemos na lombar”, diz Akiyama.
Pedro Baches Jorge, ortopedista fundador da Clínica SOU e cirurgião de joelho do Hospital Sírio-Libanês, diz que o trabalho em home office intensificou queixas relativas a dores na coluna lombar, devido às mudanças de hábitos. No ambiente corporativo, as pessoas se movimentavam mais, faziam ginástica laboral. Em casa, passam mais tempo sentadas e, muitas vezes, invadem a noite trabalhando. E algumas levam o laptop para a cama. Além do fato de que, em casa, não têm a ergonomia que têm no escritório. “Recomendamos que a pessoa considere o trabalho remoto como se estivesse na empresa, com tempo fechado. Vimos uma mudança nas lesões de joelho. Antes, eram rompimento de ligamentos devido à prática de esportes. Este ano, foram muitas lesões de meniscos decorrentes de sobrecarga ou exercícios sem supervisão adequada em casa”, diz Jorge.
Fernando Eduardo Zikan, fisioterapeuta do Hospital Universitário e professor da Faculdade de Fisioterapia UFRJ, alerta sobre crenças que têm feito as pessoas procurarem auxílio de uma maneira equivocada. Em sua avaliação, estudos já contestam que o uso de smartphone cause lesões cervicais. Ele lembra que as pessoas já liam jornais na mesma posição. O mesmo ocorre em relação à postura certa no home office. “A melhor postura é a pessoa movimentar-se frequentemente. A escola americana de fisioterapia se preocupa muito com mobiliário e ergonomia, já a europeia diz que isso é importante, mas, se o indivíduo senta errado ou está estressado e com medo de perder o emprego, esse mobiliário não vai adiantar”, afirma Zikan.
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