Com alta dos alimentos, inflação de outubro atinge 0,86%, maior resultado desde 2002

Os alimentos encareceram novamente, ainda que em ritmo mais moderado, e as remarcações de preços ficaram mais difundidas, incluindo eletrodomésticos e serviços de salões de beleza, mostrou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de outubro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador oficial de inflação do País avançou 0,86% mês passado, ante 0,64% em setembro. Foi a maior taxa para meses de outubro desde 2002, quando a perspectiva da eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para seu primeiro mandato elevou as cotações do dólar.

Diante do número divulgado nesta sexta-feira, 6, analistas voltaram a ajustar para cima as estimativas para a inflação fechada de 2020, para algo entre 3% e 3,5%, mas se manteve a avaliação geral de que o quadro não é tão negativo, diante da meta de 4% perseguida pelo Banco Central (BC).

Para Vitor Vidal, economista da XP Investimentos, a elevação recente do IPCA é um “choque temporário, por mais que seja prolongado”. Segundo João Fernandes, economista e sócio da gestora de recursos Quantitas, o número de outubro “reforça as preocupações” recentes, mas “ainda há muitos fundamentos para continuar caracterizando essa inflação como algo temporário”. Assim, não há “um processo persistente de piora da inflação”.

O número de outubro sinalizou para uma pressão mais “prolongada” e “reforçou preocupações” porque houve aumento do “índice de difusão”, que mede a proporção de itens com alta de preços, diante do total monitorado. Segundo o IBGE, esse índice foi de 68% em outubro (ante 63% em setembro), o maior do ano, numa série histórica curta, iniciada em janeiro.

A inflação de alimentos, ainda que tenha arrefecido (para 1,93%, ante 2,28% em setembro), respondeu quase pela metade do avanço agregado do IPCA, com impacto positivo de 0,39 ponto porcentual no total. O próprio aumento da difusão da inflação em setembro e outubro – em agosto, o índice foi de 55% – foi puxado pelos alimentos, disse Pedro Kislanov, gerente do IPCA.

Só que a continuidade do avanço dessa difusão da inflação na passagem de setembro para outubro sugere que as altas de preços estão espalhadas para além dos alimentos. “Realmente, a alta está mais espalhada pelo índice de maneira geral. Foi uma difusão maior (em outubro). Boa parte é nos alimentos, mas há outros componentes”, afirmou Kislanov.

Isso pôde ser visto na aceleração da inflação dos grupos vestuário (1,11% ante 0,37% em setembro, na segunda alta seguida) e artigos de residência (1,53% ante 1,0% em setembro). Embora seu impacto seja pequeno (contribuiu com 0,06 ponto na alta de outubro), os preços dos artigos de casa tiveram a segunda maior variação entre os nove grupos do IPCA. A alta de outubro foi influenciada por eletrodomésticos e equipamentos, com avanço de 2,38%, ante 0,47% em setembro.

O espalhamento da inflação também foi visto nos serviços. O subíndice do IPCA que engloba apenas esses gastos ficou em 0,55% em outubro, ante 0,17% em setembro, na maior alta desde fevereiro, quando a taxa ficou em 0,68%. Segundo Kislanov, boa parte dessa aceleração se deveu a um movimento pontual nas passagens aéreas – alta de 39,83% em outubro, contribuindo com 0,11 ponto de alta no agregado, após as fortes quedas nos primeiros meses da pandemia de covid-19.

Só que o avanço incluiu também serviços como manicure (que acelerou de 0,37% em setembro para 0,75% em outubro) e cabeleireiro e barbeiro (que passou de -0,37% para 0,64%), no que pode ser uma reação à retomada de atividades muito afetadas pelo isolamento social por causa da covid-19.

“Esse índice de difusão mais alto, que indica espalhamento da inflação, pode indicar uma retomada gradual da economia após período mais crítico da pandemia”, afirmou Kislanov, ponderando, por outro lado, que “o cenário ainda é de muita incerteza, com desemprego acima de 14%”.

A dinâmica da inflação de alimentos, apesar do arrefecimento em outubro, foi a mesma de setembro. O arroz (com 13,36%) e o óleo de soja (17,44%) seguiram como destaques na alta do indicador dos alimentos para consumo no domicílio (que avançou 2,57%). No ano, esses produtos acumulam altas de 59,48% e 77,69%, respectivamente. As carnes subiram 4,25% (impacto positivo, isoladamente, de 0,11 ponto), ligeiramente abaixo dos 4,53% de setembro. Houve aceleração nos preços do tomate (18,69% ante 11,72% em setembro), das frutas (2,59% ante -1,59% em setembro) e da batata-inglesa (17,01%, ante -6,30% em setembro).

Segundo Kislanov, o movimento é explicado, principalmente, pelo lado da oferta. O dólar elevado incentiva as exportações e leva à redução da disponibilidade de soja e arroz no mercado doméstico. Ao mesmo tempo, o auxílio emergencial pago pelo governo aos mais pobres e aos trabalhadores informais, para mitigar a crise, “ajuda a sustentar esses preços em patamar elevado”, já que é direcionado prioritariamente para o consumo de alimentos.

Apesar disso, o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, disse que mantém “a perspectiva de que o choque de alimentos vai se reverter e criar um viés de baixa para os demais itens”. Por isso, muitos economistas veem uma acomodação da inflação nos próximos meses, entrando por 2021.

Em relatório, o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, classificou o IPCA acumulado em 12 meses (3,92%) de “moderado”, especialmente “quando se leva em conta que a inflação de alimentos no domicílio subiu para 18,40% no mesmo período”. Para ele, a recessão causada pela covid-19 tende a manter a demanda em baixa, arrefecendo a inflação, que corre mais riscos de subir caso as “preocupações com a sustentabilidade fiscal de médio prazo” provoquem novas rodadas de alta no dólar.

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