Com 10 milhões de casos, covid agrava desigualdade

Além da marca humana trágica – 10 milhões de infectados e mais de 240 mil mortos até agora, e milhões de desempregados – a pandemia de covid-19 deve deixar como legado econômico o aumento na desigualdade e maior precariedade no mercado de trabalho, segundo analistas. Isso, além do já muito comentado aumento da dívida pública e uma queda de atividade, que não será totalmente recuperada neste ano. Também deixa lições, de que setores estratégicos, como o de saúde, devem ter estar no rol de prioridades do governo, com incentivo à inovação e melhor gestão de recursos. Para o curto prazo, como se tornou lugar comum, a avaliação corrente é de que acelerar a vacinação contra a covid19 é a mais urgente política macroeconômica. Assim, os tropeços do governo nesse quesito podem tornar ainda mais gradual a recuperação da atividade.

“O que deve ocorrer no curto e médio prazo é um aprofundamento da desigualdade, que já atingiu, durante a pandemia, grupos menos favorecidos no mercado de trabalho, como os mais jovens, as mulheres e aqueles com menor nível educacional”, afirma o economista Gabriel Ulyssea, professor da University College London (UCL). Para Ulyssea, os efeitos negativos dessa crise terão uma duração mais longa na medida em que o choque provocado pela pandemia reverte ganhos que vinham ocorrendo, como a diminuição da diferença de salários entre homens e mulheres. O problema é particularmente grave para jovens pobres, que além de um mercado de trabalho hostil enfrentam um agravamento na queda na qualidade do ensino.

Numa recessão, diz o pesquisador, o jovem tem maior dificuldade de se colocar no mercado, prejudicando um processo de acúmulo de conhecimento que não termina na escola. “As experiências de trabalho são importantes para uma vida profissional com acesso a melhores empregos e ganhos salariais ao longo da vida”. Os efeitos negativos não acabam quando a crise vai embora, perduram no que a literatura sobre o tema chama de “efeito cicatriz”. Neste sentido, a negligência dos governos com relação à educação piora o quadro, de acordo com Ulyssea. A falta de acesso às aulas por boa parte dos alunos de baixa renda desde o início da pandemia também deve ter efeitos duradouros que vão bater na falta de emprego.

“Crises como essa têm mais impacto mais em capital humano que em outros quesitos”, diz Sergio Vale, economistachefe da MB Associados. Demissões em massa e uma forte restruturação no mercado de trabalho, que já vinha acelerada pela https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, devem alimentar a desigualdade de renda, diz. O cenário não é exclusivo do Brasil, mas vai ser mais duro por aqui. “O legado ruim da doença por aqui é o aumento do empobrecimento e da desigualdade, sem que haja condições fiscais para contornar a crise, ao contrário do que ocorre em países com recursos para combater os efeitos da pandemia.” Margarida Gutierrez, economista e professora-adjunta da Coppead/UFRJ, afirma que, no curto prazo, é essencial que o setor de serviços, intensivo em mão de obra, volte a funcionar. “A melhor política macroeconômica do momento é a vacinação. Todo mundo já falou isso. Sem isso, os serviços não se recuperam, nem o mercado de trabalho”, diz ela, que defende a continuidade em alguma medida do auxílio emergencial. “Não sei qual o arranjo, mas terá que ser feito. É necessário porque os serviços estão funcionando à meia capacidade.”

A demora na vacinação e na consequente retomada dos serviços, diz, gera um ciclo vicioso, em que o mercado de trabalho não se recupera e quem tem renda tem medo de gastar. Ela vê possibilidade de queda do PIB no primeiro e segundo trimestres do ano, mas estima um crescimento anual de 4%, após queda de cerca de 4% em 2020. “Não é nada porque tem um carregamento estatístico enorme. É uma estagnação”. Para Margarida, a pandemia evidenciou o debate sobre setores, como a saúde, que devem receber atenção dos formuladores de políticas públicas, algo já colocado pelo teto de gastos. “Não é gastar mais, é fazer uma gestão melhor. Os dirigentes têm que definir áreas estratégicas financiadas por políticas públicas, a produção de vacina, por exemplo. Investir nisso é fundamental. É uma discussão importante”.

VALOR ECONÔMICO

Compartilhe