A carta aberta assinada por economistas, banqueiros e empresários que pede medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus alcançou 1.554 assinaturas nesta segunda-feira (22).
Embora seja um documento sem conotação política, como dizem seus idealizadores, e que não cita o nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o documento provocou reações negativas também.
Nesta segunda, seu link para adesão foi retirado do ar após problemas enfrentados com pessoas que estavam assinando o documento com nomes “fake” ou escrevendo obscenidades no lugar do nome. Com isso, a contabilização da adesão passou a ser feita de modo manual, após checagem.
O documento já foi encaminhado aos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Um dia após a divulgação da carta, Bolsonaro disse que o empresariado acredita em seu governo e reafirmou que é contra a adoção de regras rígidas de restrição de circulação, como querem “alguns setores importantes da sociedade, outros não tão importantes”, segundo o presidente.
Entre os signatários estão os economistas Edmar Bacha, Laura Carvalho, Felipe Salto e Elena Landau. No setor financeiro, a carta tem a chancela de Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco e Luis Stuhlberger (Verde Asset).
Também há representantes diretamente ligados ao setor produtivo, entre eles Pedro Parente (BRF) e Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo e hoje presidente-executivo da Ibá (entidade que representa a cadeia produtiva de árvores, papel e celulose).
Um dos signatários, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega disse que a carta pretende chamar a atenção da sociedade para a grave crise sanitária causada pela pandemia. “Embora não mencione o nome do presidente, a ideia é ressaltar o que se espera do líder do país em uma crise como essa. Bolsonaro não usa máscaras, promove aglomerações e desdenhou da vacina”, disse ele.
Para Fabio Barbosa, sócio-advisor Gávea Investmentos, outro que consta entre os que assinaram, a mobilização reflete a inquietacão da sociedade. “O objetivo é influenciar políticas públicas para que possamos rapidamente endereçar o problema da pandemia, dando apoio aos mais necessitados nesse ínterim, e tenhamos condições para que a economia volte a crescer e criar empregos.”
Nesta segunda, durante o debate sobre o lançamento do documento, divulgado pela primeira vez no domingo, os cinco economistas responsáveis pela redação do documento afirmaram que as medidas de restrição à circulação para combate ao vírus são necessárias e terão menos efetividade sem a colaboração do governo federal e de mais governadores e prefeitos.
A posição do governo federal foi classificada como de sabotagem por alguns dos organizadores do documento.
O economista Cláudio Frischtak afirmou que o país vive um cenário de crescimento exponencial do coronavírus, com expectativa de manutenção de um número elevado de mortes por um período de 30 a 60 dias, combinado com uma posição anticientífica e de sabotagem em relação às medidas tomadas por governadores e prefeitos.
“Nenhum prefeito ou governador quer entrar em um ‘lockdown’. E quando você não tem a compreensão, a cooperação e a coordenação do governo federal, o efeito líquido é uma enorme perda de eficiência e eficácia. Gasta-se mais recursos e obtém-se menos resultados”, afirmou Frischtak.
“Uma coisa é coordenar. Outra é sabotar. O objetivo da carta é pedir, por favor, não sabotem e tomem uma iniciativa de coordenar. Os brasileiros estão sujeitos a uma roleta-russa. Não sabemos quem vai adoecer. O sentimento é muito triste com a forma como estamos sendo governados.”
Entre as quatro medidas citadas na carta como indispensáveis para o combate à pandemia, estão a aceleração do ritmo de vacinação, o incentivo ao uso de máscaras –tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa–, a implementação de medidas de distanciamento social e a criação de um mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional, orientado por uma comissão de cientistas e especialistas.
A economista e diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Sandra Rios, que também faz parte do grupo de cinco economistas que redigiram o documento, afirmou que não há dilema entre saúde e crescimento econômico e que o país não vai voltar a crescer enquanto a pandemia não acabar.
Ela afirmou que as vacinas são relativamente baratas, R$ 22 bilhões para imunizar toda a população, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020, por exemplo.
“A pandemia não vai embora sem vacinação em massa, e a economia não vai voltar a crescer enquanto a pandemia não for embora”, afirmou a economista.
“O que nos resta agora é buscar negociar com países que, por acaso, tenham excedentes e pressionar para que países produtores liberem as exportações.”
Sandra também afirmou que as medidas de distanciamento não vão surtir efeito sem coordenação com o governo federal e também entre prefeitos e governadores.
“Medidas de distanciamento não vão resolver o problema da pandemia, mas são fundamentais para evitar que os recursos da saúde entrem em colapso. A gente está vendo a dificuldade dos prefeitos no Rio de Janeiro com o governo do estado. Sem coordenação nacional e regional é impossível. Pior ainda quando o governo federal sabota e adota uma narrativa contrária”, afirmou.
O economista do Insper Paulo Ribeiro afirmou que a inação em relação ao combate à pandemia legará custos para a sociedade de difícil recuperação. Ele afirma que o atraso de dois trimestres em relação ao programa de vacinação significa uma queda real de 2% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões).
O economista Flávio Ataliba, que coordenou o debate entre os cinco responsáveis pelo documento, disse que, apesar dos pontos críticos ao governo federal, o documento não tem nenhum viés partidário e foi assinado por pessoas com diferentes visões econômicas, incluindo quatro ex-ministros da Fazenda, cinco ex-presidentes do Banco Central, donos de bancos, empresários e economistas de esquerda.
O economista Marco Bonomo, do Insper, afirma que o grupo buscou elaborar o documento com base em números e informações técnicas, ressaltando que muitos dados ainda são incertos, como os números do plano de vacinação que têm sido revisado para baixo nas últimas semanas.
Sobre o problema da coordenação nacional, destacou que o mapa do país mostra que, em todas as regiões, o sistema de saúde está entrando em colapso.
“O Brasil está se tornando uma grande Manaus, uma catástrofe. Claro que estamos atrasados em termos de providências”, afirmou. “Infelizmente a gente tem uma liderança nacional que combate o combate à pandemia.”
Thomas Conti, também do Insper, afirmou que o Ministério da Economia fez diversos diagnósticos equivocados sobre o andamento da pandemia, tanto do ponto de vista sanitário como do ponto de vista econômico, ao subestimar custos, atrasar a adoção de medidas e não perceber que a vacinação não andaria no ritmo necessário para que a economia voltasse a crescer.
“O próprio governo subestimou a gravidade da pandemia. Tivemos no começo da pandemia o ministro Paulo Guedes [Economia] dizendo que com R$ 5 bilhões conseguiria resolver problema do coronavírus. Em dezembro, nomes do ministério disseram que não haveria segunda onda e que a pandemia estava acabando.”
Entre os novos signatários, em relação à versão divulgada na tarde de domingo, estão os ex-ministros Joaquim Levy e Martus Tavares, o ex-presidente do Banco Central Paulo Cesar Ximenes, os economistas David Zylbersztajn, Carlos Kawall (Asa Investiment) e José Júlio Sena (Ibre), o presidente do Instituto Akatu, Hélio Mattar, o editor Luiz Schwarcz e a historiadora Lilia Schwarcz.
“É uma carta muito boa. Que representa e expressa de maneira ampla grande parte dos meus pensamentos. Quando li, pedi para aderir”, diz Luiz Schwarcz.
FOLHA DE S. PAULO