Candidato da aberração tributária (Editorial)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, aposta no deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato bolsonariano à presidência da Câmara, para encaminhar e apoiar um projeto de recriação da CPMF, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Esse é mais um excelente motivo – além da biografia política do deputado – para evitar sua vitória nessa disputa. O ministro deu sinais, nas últimas duas semanas, da intenção de reapresentar a proposta depois de eleitos os presidentes das duas Casas do Congresso, informou o Estado.

Para defender seu projeto, o ministro insistirá, segundo fontes mencionadas na reportagem, na arenga da criação de empregos. Recriada a CPMF, haverá espaço, nas contas públicas, para redução de encargos trabalhistas e, portanto, maior estímulo à contratação de trabalhadores. Há nesse argumento uma enorme confusão.

Diminuição de encargos pode contribuir para a manutenção de empregos. Pode até facilitar a contratação, se as empresas precisarem de pessoal. Mas empresas normais só procuram pessoal quando precisam ou quando preveem a necessidade de mão de obra. Essa é a primeira condição. Em outros tempos, empresários podiam aproveitar o custo baixo e atraente para fazer estoque de braços, mesmo sem necessidade imediata. Mas isso foi antes da Lei Áurea, passo muito importante para o surgimento, no Brasil, de um capitalismo compatível com a modernidade.

Removida essa confusão, restam argumentos mais sérios a favor da redução de encargos trabalhistas. Se isso for possível sem expor os trabalhadores a uma insegurança maior e a uma posição muito mais desvantajosa na relação de mercado, a diminuição dos custos trabalhistas será muito bem-vinda. Mas a criação de empregos dependerá, em primeiro lugar, do ritmo da atividade econômica e das expectativas. O governo continua devendo um claro roteiro para 2021.

De toda forma, diminuição de custos tem ocorrido com sucesso, em outros países, sem a implantação de aberrações tributárias. Sem monstrinhos como a CPMF, condições de produção mais eficientes e menos entravadas por tributos disfuncionais e injustos são encontráveis na Europa, na América do Norte e nas economias mais competitivas da área do Pacífico.

As alegadas vantagens de arrecadação, como simplicidade, cobertura ampla e dificuldade de sonegação, de nenhum modo compensam as desvantagens de um imposto como a CPMF. É um tributo indisfarçavelmente cumulativo. Incide sobre si mesmo e sobre outros impostos e contribuições. Além disso, atinge sem distinção todos os níveis de renda, onerando proporcionalmente mais as pessoas mais pobres.

Enfim, é um imposto especialmente aberrante por incidir sobre qualquer movimentação de dinheiro, sem diferença entre a compra de um colar de diamantes e a remessa de um trabalhador para a mãe pobre, viúva e dependente de ajuda.

A indigência, no entanto, aparece com formas variadas no Brasil. Pode manifestar-se, por exemplo, como a pobreza associada às desigualdades econômicas e sociais. Pode ocorrer também como característica de um governo incapaz de diagnosticar os problemas e de formular planos, programas e projetos para modernizar o País, torná-lo mais eficiente e aumentar seu potencial de produção e de crescimento. Nenhuma dessas deficiências será curada ou atenuada com a volta da CPMF, a pior parte de uma proposta de reforma tributária indigente e escandalosamente inferior a qualquer projeto já em tramitação no Congresso.

Além de ser visto como um possível defensor da CPMF, se eleito presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira já se mostrou, em outra ocasião, favorável a esse tributo, se implantado com uma alíquota menor que a pretendida pelo ministro. Se a aprovação desse monstrinho for uma de suas missões, os deputados comprometidos com alguma seriedade têm aí mais um excelente motivo para rejeitar esse candidato. Mas nem pensariam em apoiá-lo se apenas considerassem sua biografia, rica de questões penais, como acusações de rachadinhas e de lavagem de dinheiro, como já se divulgou fartamente.

O ESTUDO DE S. PAULO

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