Os benefícios tributários devem somar neste ano R$ 471,7 bilhões, valor bem acima das projeções de R$ 320,8 bilhões, segundo estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) repassado ao Valor. A diferença se deve ao fato que, ao contrário do Fisco, os cálculos da associação consideram projeções de renúncia com isenção de Imposto de Renda (IR) sobre lucro de dividendos, inexistência de imposto sobre as grandes fortunas e benefícios concedidos nos parcelamentos especiais como Refis – classificados como privilégio. Do total de R$ 471,7 bilhões, R$ 324,4 bilhões são considerados como um privilégio pela Unafisco. No estudo, a entidade considera 59 gastos tributários como privilégio, sendo que os dez maiores privilégios tributários correspondem a 80% do valor total de privilégios para 2020.
Na avaliação da entidade, os gastos tributários com algum retorno social e/ou econômico somam neste ano R$ 147,267 bilhões. A Receita Federal informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o estudo. Na avaliação de tributaristas ouvidos pelo Valor, a isenção de IR sobre lucro e dividendos assim como de descontos de juros e multas em parcelamentos especiais podem até ser considerados como um gasto tributário. Porém, esse não é o caso de imposto sobre grandes fortunas, que nunca foi regulamentado.
“Não posso considerar na conta algo que não existe”, disse a tributarista Ana Claudia Utumi. O presidente da comissão de assuntos tributários da OAB-DF, Alberto Medeiros, acrescenta que não existem parâmetros de quanto representaria esses gastos. Os tributaristas chamam a atenção para a tributação sobre lucros e dividendos, que não consideram como um privilégio tributário. Isso porque a tributação sobre a pessoa jurídica já é elevada e dependendo de quanto for se tributar o lucro e dividendos para não inibir investimento corporativo. “Esse gasto tributário está longe de ser um privilégio”, diz Medeiros.
Para o tributarista Edison Fernandes, professor da FGV Direito de São Paulo, é muito difícil fazer essas previsões com relação a gasto tributário e privilégio porque essas contas não consideram “efeitos externos” da concessão e retirada de um benefício. Nos parcelamentos especiais, a estimativa desse gasto tributário seria irreal pois há situações em que a dívida nem sequer seria a recebida se não houvesse esse tipo de iniciativa. Segundo o estudo da Unafisco, a estimativa gasto tributário total considerou como base os dados da Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2020 e estimativas feitas pela entidade para projetar qual seria a renúncia de benefícios que hoje não são classificados como gasto tributário pela Receita.
Para não ser acusado de apresentar dados extremamente elevados em um ano que a arrecadação é afetada pelo efeito do coronavírus, o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva, disse que o montante de privilégio tributário deve ser menor que os R$ 324,4 bilhões projetados inicialmente. De acordo com ele, se considerada a queda no PIB de 5,56% projetada pelo Banco Central para este ano, por exemplo, o valor dos privilégios tributários seria R$ 306,513 bilhões. Na sua avaliação, o tema deveria ter uma atenção especial nas discussões da reforma tributária.
A lista de dez privilégios tributários em 2020 da Unafisco inclui: isenção de IR de lucro e dividendos (R$ 59,8 bilhões); não instituição de imposto sobre grandes fortunas (R$ 58,8 bilhões), Zona Franca de Manaus (R$ 28,1 bilhões), programas de parcelamentos especiais (R$ 22,2 bilhões); entidades filantrópicas (R$ 14,2 bilhões); desoneração da folha de salários (R$ 10 bilhões); exportação de produção rural (R$ 8 bilhões). No caso do imposto sobre grandes fortunas, a entidade considerou uma alíquota de 4,8%, aplicada sobre patrimônio líquido superior da R$ 4,67 milhões, o que representaria potencial arrecadatório de R$ 58,8 bilhões.
Na lista ainda estão alguns benefícios nos quais a entidade considera que existe um privilégio, porém, parcial. É o caso do Simples Nacional, em que a renúncia total é calculada em R$ 83,2 bilhões, mas que R$ 33,3 bilhões são classificados como privilégio. O mesmo acontece com benefício concedido para agricultura e agroindústria para desoneração da cesta básica e no caso de medicamentos. Segundo o estudo, o Privilegiômetro contabilizou como privilégio os gastos relativos às pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional com receita bruta superior a R$ 1,2 milhão. Já a desoneração da cesta básica e dos medicamentos não se configura como privilégio tributário naquela parcela aproveitada por contribuintes incluídos no programa Bolsa Família. O acompanhamento sobre quanto o governo deixou de arrecadar em razão de benefícios tributários pode ser feito no chamado Privilegiômetro Tributário, lançado recentemente pela Unafisco.
VALOR ECONÔMICO