Tribunal Superior do Trabalho mantém vigentes súmulas que divergem da reforma de 2017
Passados cinco anos da aprovação da reforma trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) mantém válidas diversas súmulas e orientações jurisprudenciais (OJs) que colidem frontalmente com as regras estabelecidas pela revisão da legislação trabalhista feita em 2017.
A situação gera insegurança jurídica nas relações de trabalho, pois ainda há súmulas que tratam de horas de deslocamento, apesar destas terem sido extintas pelos congressistas, e da não aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho, por exemplo.
Existem 33 súmulas e dez orientações jurisprudenciais que foram superadas pelas mudanças realizadas em 2017, mas seguem vigentes no âmbito do TST. Do total, 29 súmulas e oito OJs precisam ser canceladas no todo ou em parte. As demais precisam ser modificadas.
Os números são do levantamento Modernização Trabalhista e as Súmulas e OJs do TST: Necessária revisão da jurisprudência em conflito com a Lei 13.467/17, a Lei 13.429/17 e decisões do STF, lançado recentemente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A modernização trabalhista e a regulamentação da terceirização flexibilizaram o mercado de trabalho e simplificaram as relações entre empregadores e trabalhadores no Brasil. O país conseguiu avançar em pontos estratégicos, como terceirização de atividade fim, validade do negociado sobre o legislado e o pagamento em dobro das férias quitadas com atraso.
Gerente-executiva de Relações do Trabalho da CNI, Sylvia Lorena explica que, apesar de as leis que modernizaram as relações trabalhistas se sobreporem às normativas editadas pelo TST, é fundamental que o tribunal faça uma rápida revisão desses instrumentos a fim de evitar dúvidas e decisões equivocadas. Lorena destaca, ainda, que as súmulas da corte não são vinculantes, o que significa que elas não têm força de lei.
“Ainda que tenham caducado do ponto de vista legal, a manutenção das súmulas e dos enunciados pode gerar dúvida se o que está apresentado na orientação do TST está valendo ou não. Inclusive, a manutenção desses dispositivos traz insegurança aos empregadores, que não têm certeza de que todos os juízes vão julgar à luz da nova legislação trabalhista em um eventual processo movido por um empregado, por exemplo. É fundamental deixar claro, no ordenamento jurídico, o que vale e o que não vale”, analisa.
Advogado e professor de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), André Jobim também defende que a formalização da invalidade das súmulas e OJs é um procedimento necessário.
“Em tese, até que essa anulação seja efetivada, as normativas seguem vigentes, ainda que contrariem uma nova legislação, inclusive com potencial para induzir a erros. Estes podem ocorrer sem má fé alguma, por parte do juiz ou do advogado que orienta seu cliente que não esteja totalmente integrado à nova modelagem normativa”, avalia Jobim.
Esse também é o entendimento do presidente do Conselho de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), Homero Arandas, que se mostra especialmente preocupado com os possíveis desdobramentos no âmbito das indústrias de pequeno e médio porte.
“Elas são as empresas que mais empregam no país e, normalmente, não podem contar com o suporte de um grande escritório de advocacia. Muitas vezes, acabam ficando perdidas”, comenta.
Inconstitucionalidade
Além de estarem em desacordo com as mudanças trazidas pelas leis de 2017, diversas súmulas e orientações jurisprudenciais do TST também estão superadas por decisões da Suprema Corte do país. O Supremo Tribunal Federal declarou, por exemplo, a inconstitucionalidade das súmulas 277 e 450 que tratam, respectivamente, da ultratividade das normas coletivas (prolongação dos efeitos de uma norma para além do prazo de sua vigência) e do pagamento em dobro da remuneração de férias em caso de atraso.
Apesar de a preocupação mais comum gerada pela demora na anulação das normas ser a abertura de ações trabalhistas infundadas, os especialistas reforçam que a divergência entre as regras e as súmulas resulta em outro grande problema: o aumento do congestionamento no sistema judiciário.
“Não podemos colocar em risco o desafogamento da Justiça do Trabalho verificado nos últimos anos, quando houve a redução de 46% no número de novas ações”, pondera Arandas. “A manutenção dessas súmulas pode arrastar processos e recursos, prejudicando não só as empresas como também os empregados. Precisamos que as súmulas dos tribunais superiores sejam uniformes e tragam tranquilidade para todos os lados envolvidos”, completa.
Diálogo
O levantamento da CNI foi apresentado ao presidente da Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ocasião na qual foi destacada a importância do alinhamento das normativas legais para a segurança jurídica do setor produtivo brasileiro.
Apesar de o tema já constar na agenda da comissão — foi pauta da segunda reunião ordinária deste ano, realizada em 12 de agosto — o ministro reforçou a necessidade de conclusão do trabalho relativo ao cancelamento de súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos superados com a reforma trabalhista.
Na ocasião, ficou acordado que o encaminhamento desse tópico à presidência do TST seria condicionado à alteração do regimento interno da comissão, que teve retirada a sua autonomia para editar OJs com base em consultas aos ministros da Casa. Segundo o ministro Ives Gandra, existem mais de 330 matérias que constam do rol de “temas pacificados” e que poderiam dar origem a novas súmulas ou orientações jurisprudenciais.
Independentemente dos próximos acontecimentos, André Jobim reforça a importância de se ter clareza na legislação trabalhista.
“Estamos vivendo uma fase de novas relações de trabalho, que passam a contar com regras trabalhistas mais recentes. É fundamental que essa nova legislação seja tratada de forma clara, sem que haja dificuldade de interpretação motivada por súmulas e orientações que não têm mais sentido. O mundo é outro e o direito do trabalho precisa se atualizar”, conclui o professor.