José Pastore – Correio Braziliense
O Brasil é uma das sociedades mais desiguais. São várias causas. Uma está ligada às próprias leis,
muitas das quais, criam desigualdades insuperáveis. É o caso, por exemplo, do enorme diferencial
de aposentadoria entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Outra decorre das leis
que sancionam os supersalários e penduricalhos de agentes públicos. São leis extrativistas que
atendem o interesse de privilegiados, extraindo os recursos dos mais pobres. Há ainda o exemplo
da régua única do seguro-desemprego que atende com o mesmo valor um desempregado solteiro
e um chefe de família com 5 filhos.
Entra aqui também o impacto perverso da farra fiscal. Gastar mais do que se arrecada gera graves
desequilíbrios. Estamos no meio desse processo. O resultado é sempre a aceleração inflação que é
um imposto extremamente cruel e que fere gravemente os mais pobres.
O controle da farra fiscal depende de instituições fortes – que não temos – em especial os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário. No Brasil, os três têm se mostrado perdulários e
prioritariamente interessados no enriquecimento dos seus membros e de suas campanhas eleitorais.
Como variante da farra fiscal, são as concessões indiscriminadas de incentivos e subsídios que
favorecem grupos e regiões privilegiadas, décadas à fio, em detrimento dos que têm de arcar com
as cargas tributarias completas e até aumentadas. É o paternalismo de conceder “meia entrada”,
como diz Marcos Lisboa, a grupos que se locupletam desses benefícios em desfavor dos mais
pobres.
Não se pode desprezar o papel da corrupção. Nas escalas existentes, a “pequena corrupção” – que
envolve as tentativas e suborno praticadas pelos cidadãos comuns –, o Brasil está dentro da média
dos países pesquisados. Mas, a “grande corrupção”, praticada pelos poderes públicos, partidos
políticos e empresas estatais, está muito acima da média mundial (Marcus André Melo, “O Brasil
exibe paradoxo de pouca corrupção trivial e alta corrupção institucional”, Folha, 16/02/2025).
Há ainda a desigualdade gerada pela incapacidade de o Brasil requalificar os trabalhadores que são
deslocados dos seus empregos por força da entrada de novas tecnologias. Sem condições de se
“repaginarem” para atender às novas demandas, trabalhadores de classe média descem na escala
social, passam para a classe baixa e agravam o já grave quadro das desigualdades. Quem nunca
tomou um Uber dirigido por um contador?
O que isso tem a ver com a democracia?
No passado, as democracias eram derrubadas por grupos armados. Hoje, elas são minadas por
dentro pela força das desigualdades. Isso decorre basicamente do desencanto e do sofrimento que
assolam os grupos que são afetados pelo agravamento das desigualdades. Pessoas que descem na
escala social ou que assistem o enriquecimento de outros na base dos privilégios e não do mérito,
ficam revoltadas e se tornam presas fáceis dos demagogos populistas.
O populismo floresce no meio das frustrações e desigualdades e agrava as crises existentes. Isso
porque os populistas se elegem manipulando os sentimentos de inconformismo e prometendo o
que não podem entregar. Uma vez no poder, e verificando a escassez de recursos para cumprir suas
promessas, os populistas partem para o assistencialismo no intuito de atender e assegurar os votos
dos mais pobres, agravando a crise fiscal, e minando a saúde da democracia no momento seguinte.
O Brasil tem longas histórias de políticos populistas, desde o Getúlio Vargas, passando por Jânio
Quadros, Jair Bolsonaro e Lula da Silva. Os que escaparam desse padrão foram Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Os três conseguiram fazer reformas estruturais que revitalizaram a economia e permitiram combater as desigualdades por meio do trabalho. Bolsonaro, que podia ter garantido a perenidade
do equilíbrio das finanças públicas, perdeu essa oportunidade ao partir para a farra fiscal no final
de seu mandato, aumentando, por exemplo, o valor da Bolsa Família, abruptamente, de R$ 200,00
para R$ 600,00.
Está provado, farra fiscal, leis extrativistas, corrupção, favorecimentos a lobistas e outros
mecanismos perversos só agravam as desigualdades e enfraquecem a democracia. Precisamos sair
desse círculo vicioso.
José Pastore é professor da Universidade de São Paulo (aposentado), presidente do Conselho de Emprego e
Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras.