A Receita Federal não conseguiu recolher todos os impostos que eram esperados para outubro após o adiamento de tributos feito ao longo dos últimos meses.
A frustração reforça o cenário de incertezas sobre a arrecadação mesmo após o respiro dado pelo governo federal durante a pandemia do coronavírus.
Dados levantados pelo Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a partir de informações fornecidas pela Receita, apontam que o Fisco esperava obter R$ 23,7 bilhões em outubro com os tributos diferidos em meses anteriores, mas obteve somente R$ 16,2 bilhões.
A diferença seria o suficiente para pagar 25 milhões de parcelas do auxílio emergencial de R$ 300.
Em agosto, também houve uma diferença aproximada de R$ 7 bilhões entre o que era esperado em tributos adiados em meses anteriores e o que foi realmente obtido.
Juliana Damasceno, especialista em contas públicas do Ibre/FGV, afirma que os números indicam que empresas estão deixando de pagar impostos e dando prioridade ao custeio de suas atividades. “A gente consegue ver uma certa inadimplência”, disse.
Para a pesquisadora, contou para o movimento a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 e a perspectiva de término do programa em dezembro.
“Tudo isso é de certa forma antecipado e se reflete em decisões de empresas, como em investimento, contratação e demissão”, afirmou.
Segundo ela, em momentos de crise, empresários preferem preservar suas atividades a pagar tributos.
“Postergar pagamento de imposto é a forma mais rápida e fácil de a empresa se financiar no curto prazo, porque ela prioriza pagamento de mão de obra, fornecedores e matéria-prima”, afirmou Damasceno, que vê sinais de desaceleração da retomada.
Mesmo abaixo do esperado, os números mensais da arrecadação têm inflado a comparação entre a arrecadação deste ano e a de 2019.
Considerando dados brutos, o avanço das receitas administradas chega a ser de dois dígitos. Em agosto, setembro e outubro, houve crescimento de 1,32%, 1,74% e 12,31% na comparação com um ano antes, respectivamente.
Já na análise sem os efeitos de pagamentos de impostos adiados, o avanço cairia em termos reais para 0,09%, 0,1% e 0,1%, já considerando números atualizados pela inflação.
Na visão da Receita, os números são influenciados pelo movimento de empresas buscando as chamadas compensações tributárias, quando abatem dívidas tributárias de créditos a que têm direito perante o Fisco. De janeiro a outubro, o uso das compensações tributárias já passa de R$ 130 bilhões.
O cenário de arrecadação ainda incerto é comentado também pelo governo, inclusive como um fator de dificuldade para calcular os números fiscais do próximo ano.
Interlocutores do Ministério da Economia afirmaram recentemente que ainda não seria possível estabelecer uma meta fixa de resultado primário para 2021, como requisitado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), porque a dificuldade de prever números fiscais depois da chegada da pandemia ao país permanecia.
Apesar de ver sinais de recuperação na arrecadação, interlocutores da pasta dizem que ainda não há total clareza sobre os efeitos do coronavírus na economia e sobre as consequências disso para o recolhimento nos próximos meses.
Diante do cenário de dificuldade das empresas, o próprio ministro Paulo Guedes (Economia) já chegou a afirmar a empresários durante a pandemia que o mínimo a ser feito para facilitar a vida dos empreendedores seria o parcelamento dos impostos adiados.
Mas a pasta tem afirmado que as possibilidades de renegociação existentes hoje dispensam um projeto de repactuação específico para a crise da Covid-19. A solução a ser buscada para rever as condições de dívidas seria o programa de transação tributária, criado pela lei do contribuinte legal em abril deste ano.
Mesmo assim, congressistas tentam apressar a votação de um projeto de lei que cria o chamado Refis da Covid para parcelar tributos postergados. Cerca de R$ 48 bilhões em tributos deixaram de ser pagos até outubro.
Os técnicos da Economia são contrários à criação de um programa específico de renegociação dos tributos adiados. Segundo avaliam, a medida iria aprofundar ainda mais o endividamento do país.
Há uma agravante. Conforme mostrou a Folha, se o Refis da Covid ficar para 2021, será preciso compensar com novas receitas. Para os técnicos de Guedes, a única saída, nesse caso, seria a criação de novos impostos.
O ministro afirmou nesta terça-feira (8) que em momentos de crise os contenciosos e a judicialização relacionados a impostos aumentam.
“Quem tem poder político consegue as isenções e as desonerações. Já quem tem poder econômico consegue os contenciosos, prefere pagar R$ 100 milhões a um escritório de advocacia do que R$ 1 bilhão ao Tesouro”, afirmou.
“É normal que, se a economia anda errado, pressiona excessivamente o Judiciário e o Legislativo. Essa indissociável ligação entre direito e economia se manifestou na pandemia com muito vigor”, disse Guedes.
Apesar disso, a equipe econômica ainda expressa otimismo com a recuperação.
Sérgio Gadelha, secretário de Modelos e Projeções Econômico-Fiscais da SPE (Secretaria de Política Econômica) do Ministério da Economia, afirmou que os números recentes da atividade mostram sinais de retomada, o que tende a beneficiar a arrecadação.
“O nível de atividade econômica foi impactado pela crise sanitária. Mas os dados destacam que a melhora em varejo e indústria, acompanhada de medidas de maior flexibilização de isolamento, indicam forte expansão, o que impactará de forma positiva a arrecadação federal”, disse em entrevista recentemente.
FOLHA DE S. PAULO