Por Karen Couto
Há exatos cinco anos, o Congresso Nacional aprovou uma das mais profundas alterações da legislação trabalhista brasileira. A Lei 13.467/17, popularmente conhecida como reforma trabalhista, modificou mais de cem pontos da legislação laboral com os declarados objetivos de alavancar o crescimento econômico do país, criar algo em torno de dois milhões de empregos e reduzir o número de ações que chegam a cada ano ao Judiciário trabalhista.
Se no campo da geração de empregos a reforma ficou devendo, é fato que a litigiosidade diminuiu bastante nos últimos cinco anos. Conforme dados do Tribunal Superior do Trabalho, o volume de reclamações caiu 42%; contudo, o levantamento do próprio tribunal mostra que o percentual de procedência dos processos ajuizados não mudou, permanecendo entre 27% e 31%.
Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, o fato de o percentual de procedência nas ações não ter mudado comprova que as alterações apenas dificultaram o acesso à Justiça especializada pelos trabalhadores.
“Sempre se falou que se ajuizava processos na Justiça do Trabalho que não tinham qualquer amparo legal. A manutenção do percentual de procedência confirma que uma grande parcela de empregadores não respeita a lei trabalhista”, disse Colussi.
O advogado Camilo Onoda Caldas tem um posicionamento semelhante ao do presidente da Anamatra. Para o especialista em Direito do Trabalho, “tais mudanças explicam por que houve uma queda no número de processos. No entanto, as ações julgadas procedentes não se modificaram, porque nós sabemos que há muita litigiosidade, porque existe muita violação nos direitos trabalhistas”. Ele ainda ressalta que a alteração na legislação não era necessária para evitar o ajuizamento de ações sem procedência.
“Não há dúvida de que existem casos de litigância de má-fé na Justiça do Trabalho, mas a legislação anterior já previa mecanismos para coibir ações infundadas. Portanto, as mudanças não foram feitas nesse sentido, é puro desestímulo na propositura de ações, já que mesmo quando alguém possui argumentos e provas que amparam essa pretensão pode perder uma ação, e obviamente muitos trabalhadores se sentiram inibidos na propositura de reclamações trabalhistas após a mudança de 2017”.
Além da redução no ajuizamento de ações, o perfil das reclamações também mudou. Hoje há menos pedidos e, quando há solicitação de indenização por danos morais, é em valores menores, já que a lei a limitou ao valor de 50 vezes o salário do trabalhador. Para o presidente da Anamatra, essa limitação demonstra desprezo do legislador, que “precifica” a vida dos trabalhadores conforme sua renda.
“Se em um acidente morrem dois empregados, um motorista e um executivo, o dano moral a ser pago para o motorista vai ser menor dos que do executivo, pois o cálculo vai ser feito pelo salário do trabalhador”, lamentou Colussi.
As demandas pós-reforma têm pedidos reduzidos, principalmente os de dano moral
TJ-ES
A ideia de que patrão e empregado estão em situação de igualdade, com capacidade de negociação, para o advogado Felipe Ghüths é uma utopia que viola princípios do Direito do Trabalho.
“O processo do trabalho era sabidamente protetivo ao trabalhador. Porém, agora empregado e empregador são vistos em pé de igualdade em uma disputa judicial. Logo, um empregado da Amazon, que ganhava um salário de cerca de R$ 5 mil, por exemplo, será visto como igualmente capaz de se defender em juízo diante da empresa.”
Solução extrajudicial e distrato
Uma das inovações da reforma trabalhista foi o acordo extrajudicial entre empregado e empregador, em que os próprios interessados constroem juntos os termos da negociação, submetendo-a à homologação em juízo. Ele é feito sem que haja um processo judicial instaurado. É uma alternativa mais rápida, barata e eficaz para a resolução de conflitos.
A demissão por acordo, o distrato, foi regulamentado pela reforma trabalhista Agência Brasil
O distrato, também conhecido como demissão por acordo, foi outra novidade trazida pela reforma trabalhista. Nessa modalidade, o empregado que pedir para sair da empresa poderá negociar com o patrão o direito a receber metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS e metade do aviso prévio. O empregado poderá ainda movimentar até 80% do valor depositado na conta do FGTS. No entanto, não tem direito ao seguro-desemprego.
Para a especialista em Direito do Trabalho Priscila Soeiro Moreira, o acordo extrajudicial e o distrato, bem como outros instrumentos fora da esfera judicial para soluções de conflitos trabalhistas, auxiliaram na redução dos processos.
“Com a criação do acordo extrajudicial, foi possível realizar acordos entre as partes, com a segurança jurídica de se ter o aval da Justiça do Trabalho, sem a necessidade de ajuizar uma reclamação trabalhista”. A especialista destaca ainda que “é um procedimento mais célere, menos custoso e que prestigia a negociação entre as partes”.
Contudo, no que se refere ao distrato, os números não são tão impactantes. Entre novembro de 2017 e setembro de 2020, foram registrados 524.308 desligamentos por distrato. Essas demissões por acordo equivalem a menos de 2% do total dos desligamentos ao mês no país.
Teletrabalho
A regulamentação do trabalho remoto veio com a reforma trabalhista, e a modalidade ganhou força durante a crise da Covid-19. A matéria ainda precisa de aprimoramento, porém foi importante para garantir segurança jurídica a esse tipo de trabalho, como destacou o advogado trabalhista Giovanni Anderlini Rodrigues da Cunha.
Para especialistas, embora a reforma preveja o teletrabalho, matéria deve ser melhoradaMarcelo Camargo/Agência Brasil
“A pandemia nos apresentou a urgente necessidade de um aprimoramento do teletrabalho, em discussão hoje no Congresso Nacional através da MP 1.108/22, que ainda não sabemos se será, ou não, convertida em lei.”
Para o advogado, embora a reforma trabalhista já tenha avançado em diversos pontos, ainda há o que aprimorar. “A reforma perdeu a oportunidade e agora é preciso se aprofundar no tema relacionado às novas formas de contratação, frente às novas https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs inseridas no mercado de trabalho 4.0, que conta, sobretudo, com o trabalho em plataformas digitais.”
Novas formas de contratação
Um dos pontos mais controversos da reforma — e que segue vigente — é o contrato intermitente, que é uma prestação de serviços em períodos alternados, em que o trabalhador é remunerado de maneira proporcional, somente pelo período trabalhado. Além disso, a prestação de serviços esporádica deve ser registrada em carteira e há direitos trabalhistas previstos, como férias, 13º proporcionais e depósito do FGTS.
A questão é tema de uma ação no Supremo Tribunal Federal, que deve julgá-la no próximo semestre. Para o advogado Cláudio Lima Filho, a criação dessa forma de contratação afronta princípios do Direito do Trabalho.
“Nesse caso, a reforma trabalhista não foi clara, e eu diria que até confusa, pois permite a contratação de um funcionário em uma modalidade que vai totalmente de encontro com os princípios trabalhistas. O aprimoramento dessa questão precisa ser discutido pelo STF, uma vez que essa questão ainda gera muita dúvida tanto para funcionários quanto para empresas”.
A arrecadação sindical
Antes da reforma, o recolhimento da contribuição dos trabalhadores aos sindicatos era obrigatório e descontado na folha de pagamento. O valor, equivalente ao salário de um dia de trabalho, retirado anualmente na remuneração do empregado, era direcionado à manutenção do sindicato da categoria.
Com a nova lei trabalhista, o pagamento da contribuição sindical não é mais obrigatório. A empresa só pode fazer o desconto com a permissão do empregado.
Diversos sindicatos fecharam as portas
em razão da falta de arrecadação
Reprodução
Embora o STF tenha pacificado que o acordado tem prevalência sobre o legislado — o que dá aos sindicatos maior força —, a retirada da contribuição obrigatória foi um grande impacto para eles. A extinção da contribuição foi objeto de 19 ações, até que em junho de 2018 o Supremo declarou a constitucionalidade do dispositivo. De acordo com os ministros, não se pode admitir a imposição da cobrança quando a Constituição determina que ninguém é obrigado a se filiar ou a se manter filiado a uma entidade sindical.
Com o fim da contribuição obrigatória, muitos sindicatos fecharam suas portas, reduziram suas equipes de trabalho ou cederam sua base territorial a outras entidades. O enfraquecimento dos sindicatos no Brasil foi apontado pela nona edição do Índice Global dos Direitos, que ressaltou que, com a adoção da Lei 13.467/2017, “todo o sistema de negociação coletiva entrou em colapso no Brasil, com uma redução drástica de 45% no número de acordos coletivos celebrados”.
A redução nos acordos e nas convenções coletivas também foi apontada pelo diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, que contestou a ideia de que houve aumento da negociação coletiva após a reforma trabalhista. “A gente tem assistido a uma redução dos acordos e convenções coletivas. Em 2016, nós tivemos 47 mil acordos e convenções, coletivas. Em 2021, não chegamos a 35 mil acordos negociados. Ou seja, menos de 12 mil negociações aconteceram no Brasil após a reforma trabalhista”.
Reforma em pauta no STF
Desde a sua aprovação, a reforma trabalhista foi objeto de diversas ações no STF questionando a constitucionalidade de diversos pontos.
A Suprema Corte já decidiu que o trabalho insalubre para gestantes e lactantes é inconstitucional (ADI 6.938), que a ultratividade das normas coletivas não é válida (ADPF 323) e que acordos e convenções coletivas devem prevalecer sobre o legislado (ARE 1.121.633 – Tema 1.046).
Neste segundo semestre, a reforma estará novamente na pauta do tribunal, que vai julgar duas ações diretas de inconstitucionalidade que questionam a jornada de trabalho dos caminhoneiros (ADI 5.322) e o contrato intermitente (ADI 5.826).
Promessa não cumprida
Cinco anos depois da reforma, os empregos prometidos não surgiram, nem a economia cresceu. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim de 2017 havia no Brasil 46,3 milhões de empregos formais. Em 2019, dois anos depois da reforma, o número de empregos formais fechou em 46,7 milhões, número bem inferior aos dois milhões almejados pelo governo federal.
Em 2022, embora o pior da crise da Covid-19 já tenha passado, a retomada da atividade econômica tem ocorrido principalmente de forma informal. Dados do IBGE apontam que o país tem 95,4 milhões de trabalhadores, dos quais 38,5 milhões (39,2%) sem carteira assinada. Isso significa que, de cada dez trabalhadores, quatro são informais, sem direitos trabalhistas assegurados ou qualquer seguridade social.
Nesse período, a renda do trabalhador também não teve avanço. Atualmente, a renda média é de R$ 1.353, o menor valor da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012.
Para Felipe Ghüths, a reforma foi “vendida” como facilitadora da geração de empregos, pois diminuía as obrigações patronais da CLT, mas o objetivo real era reduzir direitos dos trabalhadores.
“Essa redução de direitos aconteceu, mas o fomento na geração de empregos, não. Em verdade, nem mesmo para o pequeno empresário a situação ficou mais fácil, pois a carga tributária segue alta, numa economia desaquecida. Porém, a vida das grandes empresas foi extremamente facilitada com a redução do passivo trabalhista. Dessa forma, o impacto da reforma foi única e exclusivamente a redução do passivo trabalhista de grandes empresas, sem entregar geração de empregos ou melhorias na vida do pequeno empresário”.
https://www.conjur.com.br/2022-jul-13/reforma-trabalhista-mostra-legado-reducao-volume-acoes