No ano passado, os contribuintes brasileiros fizeram compensações tributárias no montante de R$ 167,7 bilhões, uma elevação de R$ 62,1 bilhões em relação a 2019, de acordo com dados da Receita Federal. Esta foi, juntamente com a não quitação integral de tributos federais que tiveram prazos de pagamento adiados (diferimento), a principal explicação para a queda, em termos reais, de 6,91% da receita tributária da União em 2020, na comparação com o ano anterior.
Dito de uma forma mais direta: não foi o impacto negativo da pandemia da covid-19 na atividade econômica, em virtude do isolamento social, que jogou a arrecadação na lona. A atividade caiu muito nos primeiros meses da pandemia, mas depois houve uma recuperação rápida e, no fim de 2020, a economia estava bastante aquecida. Compensações tributárias reduzem a receita da União Foram as compensações tributárias e o diferimento de tributos que mais pesaram no resultado. “Sem esses fatores, não haveria queda da arrecadação”, disse o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, em entrevista ao Valor. “Teria mudado o cenário completamente e o resultado teria sido positivo”, observou.
A compensação ocorre quando o contribuinte possui um crédito contra o fisco, seja porque pagou a mais um determinado tributo, seja em decorrência de decisão judicial, e o usa para quitar os seus impostos. Há toda uma legislação que regula essa matéria. Esta semana, ao divulgar a arrecadação da União em 2020, a Receita Federal disponibilizou informações mais detalhadas sobre a compensação tributária, especificando os tipos de créditos que foram utilizados pelos contribuintes. Só por conta de pagamentos indevidos ou a maior que realizaram, os contribuintes usaram crédito no total de R$ 11,8 bilhões para quitar suas obrigações tributárias no ano passado. Os créditos previdenciários atingiram R$ 7,1 bilhões. Mas o maior volume de compensações decorreu de ações judiciais.
Por conta de ações ganhas na Justiça, os contribuintes utilizaram créditos no valor de R$ 63,6 bilhões para quitar suas obrigações, ou seja, 37,9% do valor total das compensações. Foi um aumento de R$ 40,4 bilhões na comparação com o ocorrido em 2019. O secretário Tostes estima que cerca de 70% dessas ações contestam a inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo para a incidência das contribuições do PIS e da Cofins.
Em março de 2017, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, acolheram a tese de que o PIS e a Cofins não podem ser cobrados sobre o valor da mercadoria ou do serviço já tributado pelo ICMS. Em julho de 2017, a União entrou com embargos de declaração junto ao STF pedindo que os ministros modulassem a decisão, ou seja, definissem a partir de quando a tese passaria a valer.
Desde julho de 2019, o recurso da União está pronto para ser julgado pelo Supremo. De lá para cá, a matéria entrou várias vezes na pauta de votação, mas, em seguida, foi retirada. Aparentemente, como estão cientes do efeito extremamente negativo da decisão sobre a receita da União, os ministros aguardam que o governo e o Congresso Nacional tomem a iniciativa de mudar a legislação do PIS e da Cofins para, desta forma, evitar maiores estragos aos cofres públicos.
Em meados do ano passado, o governo encaminhou o projeto de lei 3.887/2020 ao Congresso, unificando o PIS/Pasep e a Cofins, que darão origem à Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). A nova contribuição não incidirá sobre o faturamento, mas sobre o valor agregado. Ela elimina vários regimes especiais. O projeto diz, explicitamente, que o ICMS e o Imposto sobre Serviços (ISS) não integram a base de cálculo da nova contribuição. E nem mesmo a CBS, o que dará fim à chamada cobrança “por dentro”, quando o próprio tributo integra a sua base de cálculo.
Por conta dessas alterações e para evitar que elas resultem em perda de receita da União, o governo propôs uma alíquota de 12% para a nova contribuição, com a ampliação da utilização de créditos. O que provocou uma reação muito forte do setor de serviços, que possui muito pouco crédito a compensar.
O projeto lei 3.887/2020 não começou sequer a ser analisado pelos deputados, pois aguarda uma definição sobre os rumos da reforma tributária. A tese que predominou até agora é que o projeto terá que ser apreciado no âmbito de uma proposta mais abrangente de reforma, que também não andou. Existem duas propostas de mudança ampla do sistema tributário brasileiro, as propostas de emenda constitucional 110/2019 e 45/2019.
A nova realidade, que os parlamentares precisam avaliar, é que os juízes estão dando ganho de causa aos contribuintes que ingressam com ações na Justiça questionando a inclusão do ICMS na base de cálculo de incidência do PIS e da Cofins, mesmo antes de uma decisão final do Supremo Tribunal. Ou seja, a demora dos ministros do Supremo em apreciar a matéria não está mais ajudando a União, pois a perda de receita com os dois produtos está se materializando sob a forma de compensação tributária.
Para agravar a situação, o Supremo está julgando o Recurso Extraordinário 592616, que questiona também a constitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins. O ministro Celso de Melo, antes da aposentadoria, votou pela tese de que o valor correspondente ao ISS não integra a base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins. Depois do voto de Celso de Mello, o julgamento foi interrompido com um pedido de vistas. Mas no dia 1º de dezembro, os autos foram devolvidos para julgamento.
A perda de receita da União em decorrência das ações judiciais relacionadas com o PIS e a Cofins torna urgente a mudança na legislação desses dois tributos. Os parlamentares precisam concluir com rapidez a reforma tributária e, se não houver acordo para a aprovação de um projeto mais amplo, que substitua um grande número de impostos por um tributo sobre o valor agregado (IVA), como é a proposta das duas PECs em tramitação, pelo menos que eles enfrentem as distorções do PIS e da Cofins.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras
VALOR ECONÔMICO