Aproposta de criação de um “imposto temporário”, com as características da antiga CPMF (o imposto do cheque), para enfrentar as despesas de um novo auxílio emergencial, não passa de uma tentativa de aproveitar a emergência e a confusão da pandemia para “passar a boiada”.
Certas áreas do Congresso e do governo parecem pretender decretar um estado excepcional “de guerra” ou um estado de calamidade pública, para justificar mais esse avanço sobre o bolso do contribuinte.
São várias as cercas que pretendem pular. O plano é travestir o tributo de contribuição social para escapar do princípio da anualidade. De acordo com esse princípio, um imposto não pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro (art. 150 da Constituição). A exceção é para a contribuição social.
A outra cerca a ser invadida é a reiterada garantia do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que não haverá aumento da carga tributária. Se viesse, esse imposto seria compensado com a remoção de outros. O plano do ministro era que esse tributo substituísse a desoneração da folha de pagamentos das empresas, de modo a ajudar na manutenção e na criação de empregos. Como sabe que se fosse temporário esse imposto mataria o projeto de substituição da desoneração, talvez, o Ministério da Economia acabe por vetá-lo.
A ideia de que essa contribuição seria “provisória” sempre foi um embuste. A CPMF tinha “provisória” até mesmo no sobrenome: Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Mas a provisória foi ficando, virou permanente. Só foi revogada dez anos depois da sua criação, em 2007, graças às pressões da sociedade.
Outra marotagem conhecida é a de que o novo tributo teria destinação exclusiva. No caso, a arrecadação dessa nova contribuição seria usada apenas e tão somente para cobrir as despesas da nova ajuda aos brasileiros afetados pela pandemia do novo coronavírus. A velha CPMF também começou com essa conversa. O então ministro Adib Jatene defendia a CPMF como inevitável “para cobrir despesas com saúde”. Mas, logo se viu, o que foi arrecadado se destinou ao caixa comum. Virou um imposto como outro qualquer.
Ou seja, mais uma vez, o governo ou os políticos pretendem se aproveitar da situação difícil da população mais pobre para criar mais um imposto fácil de arrecadar, que não exige declaração prévia, nem cálculos sofisticados, nem mesmo auditorias. É surrupiado automaticamente da conta bancária pelo sistema de informática do banco, a cada movimentação financeira.
E não se trata de um imposto indolor destituído de efeitos colaterais nocivos. Incide em cascata (tributo cumulativo), que onera cada etapa da produção. Por isso, é proibido pela Constituição. Além disso, sobrecarrega as exportações, na medida em que o tributo não pode ser extraído do preço final do produto exportado, como se fosse um IPI ou um ICMS.
Essa proposta pode não passar de balão de ensaio. Nesse caso, serve para testar a capacidade de resistência da sociedade a essas esquisitices.
O ESTADO DE S. PAULO