Lucas Henrique Ribeiro, Doutorando em Ciência Política pela UFMG
Barbara Panseri, Mestra em Administração Pública e Governo pela FGV-SP
É emblemático que hoje, 1º de abril, dia em que se completam 57 anos do Golpe Militar de 1964, o povo brasileiro esteja cercado pelos mesmos problemas de outrora, digladiando-se em debates estéreis enquanto caminha desgovernado em rumo oposto à prosperidade. Em cerca de meia década, destruímos parte substancial daquilo que com esforço e sacrifício construímos desde a estabilização do real durante o governo FHC. A partir das eleições de 2014, nos vemos engalfinhados na maior crise política desde a redemocratização em 1985, e até agora não colhemos nenhum benefício por ter colaborado passiva ou ativamente para a geração de tamanha instabilidade política. Pelo contrário, prejuízos se acumulam em múltiplas áreas. Pesadelos do passado voltam a nos assombrar: desemprego, fome, saúde e educação precárias, inflação e muitos outros. Afinal, de onde emana essa força que nos mantém presos a tão ingrato destino?
Dentre muitos problemas decorrentes da nossa formação histórica enquanto nação (explorada e escravizada desde o berço, mantida unida ao preço do sangue daqueles que ousaram não se submeter à tamanha degradação da dignidade humana e condenada a repetir o passado ad infinitum enquanto desprezar o conhecimento, a competência e a civilidade como atributos essenciais das suas lideranças), a obstrução do debate público continua a cumprir função essencial no nosso fracasso civilizatório. As raízes desse vício político se encontram no passado distante e se estendem até os dias atuais: a constituição involuntária de uma nação com a única finalidade de servir aos interesses de alguns poucos. Não sem razão, a política brasileira expressa tamanho dissenso, pois somente através dele uma minoria pode governar em interesse próprio.
Confiar somente nas instituições políticas como forma de assegurar a democracia e o desenvolvimento civilizatório é um erro que pode ser verificado não apenas na história brasileira, como também em inúmeros outros casos em países latino-americanos, do Leste Europeu e do Oriente Médio. A democracia depende de muito mais que somente o sufrágio universal para entregar os resultados que promete. As instituições políticas não são capazes de traduzir o dissenso na sociedade em um consenso estatal acerca de onde queremos chegar e quais instrumentos podemos empregar para isso. De outra forma, a democracia permanece inerte, quando não moribunda.
Mentiras e meias-verdades só interessam aos radicais e aos desprovidos de civilidade. Os primeiros ignoram qualquer prudência cética, incapazes de aceitar que pouco sabemos sobre o mundo que nos cerca. Os segundos negam a dignidade aos outros, incapazes de compreender a natureza coletiva da vida em sociedade. E assim, deturpando o julgamento de cada cidadão, eles conseguem acessar as posições de liderança. Porém, tão logo revelam a incompetência, a irresponsabilidade e a incivilidade nos próprios atos, deixam de ser capazes de distorcer o julgamento público e são conduzidos ao esquecimento, mas não sem deixar profundas cicatrizes na sociedade.
O radicalismo e a obstrução do debate público nos conduziram a sucessivas crises políticas ao longo do século XX, dentre elas as que culminaram na instituição e desmantelamento do Regime Militar. Não tardar poucos anos desde a redemocratização, o país foi acometido novamente por crises políticas, exceto por um estranho interregno de estabilidade entre 1995 e 2014. Nos últimos anos, novamente nos vemos em meio a uma profunda crise política que carrega junto enorme crise social e econômica. Tudo isso radicado na obstrução do debate público, na exclusão de massiva parte da população em tomar parte na construção dos consensos, no tratamento irresponsável de temas sensíveis para a estabilidade política, em mentiras e meias-verdades.
O cidadão médio brasileiro tem grande dificuldade para entender para que serve um Congresso ou uma Suprema Corte, por que os políticos não fazem o que prometem ou o que são os tão difamados direitos humanos, não porque eles conscientemente decidiram pela apolítica, mas justamente porque a minoria que decide acredita que a civilidade ou a política não devem ser de conhecimento desses cidadãos. Para a maioria dos cidadãos, a política não só é tratada como uma atividade dispensável para a sociedade, como é concebida como repleta de todos os vícios morais imagináveis.
Onde poderemos chegar negando a legitimidade e utilidade do instrumento que temos para construir nossos consensos? A política precisa recuperar o seu valor e ser ocupada por todos os cidadãos. A responsabilidade pelas crises políticas que vivemos não é de um partido em específico ou de uma instituição política, é de todos os cidadãos. É chegada a hora de emancipar o cidadão brasileiro para que assuma a sua responsabilidade enquanto protagonista dos processos decisivos para o futuro da nação. Caso contrário, seguiremos imersos em uma sucessão de crises, sentindo na carne o efeito da nossa irresponsabilidade enquanto cidadãos. Continuaremos a ceifar sonhos e vidas inocentes, enquanto negamos a dignidade aos nossos semelhantes e assistimos a esse teatro de horrores que renova nossas tribulações.
O ESTADO DE S. PAULO