A titubeante retomada da economia, depois da longa recessão do período Dilma, a pandemia, que já ceifou cerca de 330 mil vidas, e as incertezas provocadas pelas trapalhadas do governo Bolsonaro continuam causando estragos consideráveis no mercado de trabalho, como mostram vários indicadores oficiais. Apesar disso, o ministro Paulo Guedes tem comemorado, de forma efusiva e precipitada, “a forte retomada do emprego formal”, baseando-se apenas na geração líquida de vagas apuradas pelo novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) que, desde 2020, sofreu grande mudança metodológica e passou a ser alimentado pelas informações do eSocial.
Ninguém está manipulando nada e provavelmente não há problemas técnicos estruturais com o novo Caged. Mas é fato que seus dados divergem enormemente dos observados na Pnad Contínua, do IBGE, além de não ser possível a comparação dos números atuais com os apurados pela metodologia antiga, como tem feito com frequência o Ministério da Economia. Análises cruzadas indicam que, aparentemente, o Caged vem superestimando a geração de vagas no mercado formal.
Tabulações da LCA Consultores, considerando apenas os trabalhadores formais, mostram que a Pnad, na média móvel trimestral dessazonalizada, até janeiro/21, apurou a destruição de 139 mil vagas, enquanto o novo Caged acusou a criação de 308 mil empregos, com dados até fevereiro/21.
Outro dado intrigante vem da observação das taxas anuais de crescimento do PIB e da geração de emprego formal, no mesmo ano. Conforme a chamada lei de Okun, deve haver uma relação relativamente estável entre desemprego (ou emprego) e desvios do PIB de seu potencial, para menos ou para mais, respectivamente. Essa relação é estatisticamente significativa para o Brasil, utilizando-se os dados do Caged pela metodologia antiga, até 2019. No entanto, em 2020, o novo Caged apurou a criação de 280 mil vagas, ano em que o PIB caiu 4,1%, relação jamais observada na série antiga.
Carteira de trabalho
No ano passado, novo Caged apurou a criação de 280 mil vagas, ano em que o PIB caiu 4,1%Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
O economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV, compilou os dados do Caged de abril a dezembro de 2019, tanto pela metodologia antiga quanto pela nova, uma vez que, naquele período, as pesquisas correram em paralelo. O novo Caged, no acumulado desses meses, registrou a criação de 304 mil vagas a mais do que o antigo.
O concreto é que, de acordo com o IBGE, a situação do emprego no Brasil é preocupante, fato corroborado pela queda expressiva da confiança dos consumidores. Como cerca de 40% dos ocupados encontram-se no mercado informal, é melhor tomar os dados totais, incluindo-se trabalhadores com e sem carteira assinada. Por essa métrica, a taxa de desemprego, com ajuste sazonal, alcançou 14,7%, na média móvel trimestral até janeiro/21.
Mesmo esse dado, no entanto, não mostra toda a gravidade da situação. O desemprego só não está maior porque houve, no período março/20 a janeiro/21, significativa redução no número de pessoas que estão no mercado de trabalho, a chamada taxa de atividade, ou seja, a relação entre a força de trabalho (ocupados + desocupados) e a população em idade de trabalhar. Não fosse isso, a taxa de desemprego seria de 22,6%, e é esta que reflete melhor a situação na pandemia.
Outro dado desalentador é a queda do número de pessoas ocupadas. Sempre pela comparação de médias móveis trimestrais, no período março/20 a janeiro/21, o total de ocupados com alguma remuneração caiu 6,2 milhões.
As estatísticas são contundentes e mensuram um drama social de grandes proporções. Tomar apenas os números do novo Caged e sair comemorando, sem análise cuidadosa do conjunto de indicadores, não é sensato. Parece a cloroquina do mercado de trabalho.
*ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
O ESTADO DE S. PAULO