O Estado de S.Paulo – 08/02/2022 –
Pedro Fernando Nery*
“Nós vamos primeiro deixar a torta maior e depois dividi-la corretamente.” Podia ser a fala de algum prócer da ditadura brasileira, mas ela é de Xi Jinping, tranquilizando o Fórum Econômico Mundial sobre a “Prosperidade Compartilhada” – o movimento da ditadura chinesa por alguma redistribuição de renda, que afetou o valor de grandes empresas. É um lembrete interessante de como a ditadura chinesa se concentrou na expansão do PIB e preteriu a construção de um estado de bem-estar social nas últimas décadas.
Uma comparação entre as escolhas de Brasil e China em relação à atuação do Estado pode surpreender alguns leitores, já que não seria exagero falar em Estado mínimo para a política social chinesa.
O gasto público (% do PIB) é bem menor: para o Brasil acompanhar a China, teria de fazer um ajuste fiscal monstruoso, cortando centenas de bilhões em despesas por ano. Isso pode ser contraintuitivo porque nos acostumamos à China, que gasta muito em algumas áreas e dá um banho no Brasil em investimento em C&T e em infraestrutura – cuja qualidade superior é atestada pelo próprio Fórum (principalmente em portos). Mas à custa de gastos correntes.
O salário mínimo não chegaria à metade do brasileiro (na comparação com o salário mediano, segundo a OCDE). Os anos de escolaridade da atual geração de adultos jovens são dos piores do G-20. Os benefícios sociais são baixos: nosso gasto previdenciário é mais do que o dobro do deles (% do PIB).
O efeito da atuação do Estado sobre a distribuição de renda, tributando e pagando transferências, é virtualmente nulo. Mesmo no Brasil, em que somos sabidamente ineficientes na redistribuição, o Estado consegue reduzir a desigualdade medida pelo Gini em alguns pontos. Em países da OCDE com bons estados de bem-estar social, a redução é de dezenas de pontos. Na China, zero.
Cabe a ressalva que, para além da desigualdade de renda, a China conquistou uma espetacular redução da extrema pobreza e bons índices em exames internacionais da educação básica. A mobilidade intergeracional, contudo, ainda é só ligeiramente melhor do que a do Brasil, ainda pari passu com a Índia de castas e atrás do Chile neoliberal.
Terminando nossa comparação, chama atenção também que a China seja mais liberal do que o Brasil em indicadores de abertura comercial e de flexibilidade da legislação trabalhista (Frasier, LAMRIG), o que adiciona incoerência ao esquerdista brasileiro que jura de morte as reformas dos últimos anos enquanto tece loas ao Partido Comunista Chinês.
*DOUTOR EM ECONOMIA