Valor Econômico
Indicadores mostram desempenho um pouco melhor no 1º tri, mas cenário continua ruim, aponta FGV Ibre
Por Anaïs Fernandes e Sergio Lamucci
A produtividade do trabalho recuou no primeiro trimestre a um ritmo menos intenso em relação aos três primeiros meses de 2021, ao mesmo tempo em que chegou a mostrar uma ligeira alta na comparação com os três meses anteriores, a depender da métrica utilizada. Essas constatações, porém, não são animadoras. A produtividade continua abaixo do nível anterior à pandemia e não há fatores indicando sustentação de um movimento um pouco mais favorável ao longo deste e do próximo ano, segundo avaliação dos economistas do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), em estudo apresentado ao Valor.
No primeiro trimestre, a produtividade calculada pela comparação do valor adicionado com as horas efetivamente trabalhadas recuou 8,2% em relação ao mesmo período do ano passado, uma queda menos expressiva que os 10,1% do quarto trimestre de 2021 e que os 14,5% do segundo trimestre do ano passado, por exemplo. A métrica por horas efetivamente trabalhadas é a que mostra mais claramente o efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho – houve um forte recuo das horas trabalhadas no auge da covid-19, seguido depois por um aumento significativo, à medida que as restrições à mobilidade social foram relaxadas. Essa medida pode incluir reduções por motivo de doença e feriado, ou aumentos, se há pico de produção e reposição de horas.
Na comparação com os três meses imediatamente anteriores, houve também uma melhora do desempenho da produtividade. A que compara o valor adicionado com o pessoal ocupado, por exemplo, recuou 0,4% entre janeiro e março de 2022, na comparação com o quarto trimestre de 2021, feito o ajuste sazonal. Na medida por horas habituais – que considera uma semana típica de trabalho -, a queda foi de 0,8%. Em ambos os casos, o recuo nos três últimos meses do ano passado havia sido um pouco superior a 1,5%. Já a produtividade por horas efetivamente trabalhadas subiu 0,5% no primeiro trimestre de 2022, vindo de uma queda de 2,7% no fim de 2021.
“Ainda assim, foi insuficiente para reverter o padrão geral. Todas as medidas estão convergindo para um nível um pouco abaixo do pré-pandemia”, diz Fernando Veloso, um dos coordenadores do observatório. A produtividade por horas efetivas encontrava-se, no primeiro trimestre de 2022, 0,7% abaixo do pré-covid. Na mesma base, a produtividade por horas habituais e a por pessoal ocupado estavam 0,9% e 0,2% aquém, pela ordem.
As medidas de produtividade, especialmente a calculada com base nas horas efetivas, foram bastante afetadas pelos choques da pandemia. Efeitos de composição (trabalhadores menos qualificados e produtivos saíram mais do mercado) e medidas do governo para sustentação do emprego com corte de jornadas levaram os indicadores a registrar altas fortes no segundo e/ou terceiro trimestre de 2020. No decorrer daquele ano e também de 2021, porém, a elevação se confirmou temporária, tendo sido revertida ao longo do ano passado, em um processo que se manteve no início de 2022, segundo o estudo de Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti.
Considerando o desempenho da produtividade por hora efetiva entre o primeiro trimestre de 2017 e o último de 2019 e extrapolando as observações para projetar o que teria acontecido caso ela tivesse mantido o mesmo comportamento nos anos pandêmicos, os pesquisadores notaram que a alta na margem no primeiro trimestre de 2022 apenas levou a trajetória do indicador de volta à tendência. “Só que é uma tendência de queda, ruim – inclusive, pior do que das últimas décadas”, diz Veloso.
No caso da produtividade total dos fatores (PTF) – que leva em consideração não só a mão de obra, mas também a eficiência do uso de capital – por horas efetivas, nem essa tendência do período anterior à pandemia foi atingida, apesar do aumento de 0,7% no primeiro trimestre de 2022 em relação ao quarto trimestre do ano passado.
A evidência para o Brasil está em linha com o observado no exterior, segundo os pesquisadores do FGV Ibre. Dados do Conference Board mostram que a produtividade mundial estagnou em um patamar acima do pré-pandemia, mas encontra-se mais ou menos no mesmo lugar em que estaria se o ritmo anterior à covid apenas tivesse se mantido, explica Veloso.
“Havia muita expectativa de que a pandemia pudesse acelerar o aumento da produtividade global, pelo uso de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs, digitalização. Mas ela não parece ter tido um efeito mais duradouro nem de aumento nem de queda da produtividade”, diz o pesquisador. “E a minha impressão é que no Brasil acontece algo parecido.”
Não podemos olhar 2022 sem 2023 na conta, vai ser um ano complicado e é difícil imaginar crescimento de produtividade”
O economista destaca o avanço do setor de serviços, que, segundo ele, emprega cerca de 30% da população ocupada no Brasil. No primeiro trimestre do ano, enquanto o valor adicionado da economia como um todo subiu 1,9%, ante igual período de 2021, o segmento de outros serviços, que engloba aqueles prestados às famílias, cresceu 12,6%. Na mesma comparação, a população ocupada total subiu 9,4%, mas em outros serviços a alta foi de 14%.
“O mercado de trabalho vem chamando a atenção e tem muito a ver com a retomada desse setor intensivo em trabalho, além de transporte e construção. São setores de produtividade mais baixa e que empregam muita gente”, afirma Veloso.
Segundo os pesquisadores do instituto, a retomada geral do emprego via trabalhadores menos escolarizados e informais, os mais prejudicados na crise da covid, ajuda a explicar a redução da produtividade, passada a fase mais aguda da pandemia. Cabe notar, porém, que, desde os trimestres finais de 2021 e, principalmente, no início deste ano, o crescimento do emprego formal também está aparecendo de forma mais consistente nas estatísticas. Na série mensalizada com ajuste sazonal elaborada pelo FGV Ibre, a ocupação formal estava, em abril deste ano, 4,5% acima do período pré-pandemia, e a ocupação informal, 1,9%.
Veloso diz que parece haver certa mudança na natureza da geração das vagas. Logo após o choque da covid, essa retomada da ocupação dependeu muito dos trabalhadores por conta própria, mas agora está mais ligada ao emprego associado a uma empresa, com ou sem carteira. Embora os pesquisadores sejam cautelosos para estabelecer relações de causalidade, Veloso sugere que essa dinâmica mais benigna do mercado de trabalho mais recente poderia ajudar a explicar a ligeira alta da produtividade por horas efetivas no primeiro trimestre de 2022.
“Não é só no sentido de gerar mais ocupações, mas de elas serem mais formalizadas e, mesmo o informal, está mais associado a empresas, que costumam ter produtividade mais alta. É difícil dizer se foi isso [que gerou alta na produtividade por hora efetiva no primeiro trimestre], mas é um dado que merece discussão”, diz.
Mesmo entre trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto, o que se vê é crescimento do emprego formal nos últimos meses. Silvia Matos, também coordenadora do Observatório e do Boletim Macro do FGV Ibre, observa que a normalização dos setores de educação e saúde foi importante para o crescimento do trabalho formal, além da reabertura, com a maior mobilidade, dos pequenos negócios, que demandam mais mão de obra.
Diante das perspectivas de desaceleração da atividade no segundo semestre, no entanto, os pesquisadores do FGV Ibre entendem como pouco provável que esses movimentos continuem. “Tem o efeito do enorme aumento da taxa de juros se fazendo sentir com mais força. Isso afeta atividade econômica, geração de ocupações e sua qualidade, tende a criar mais ocupações informais. Difícil imaginar que [essa melhora da produtividade na margem] vai continuar e, mesmo que continuasse, eu não mudaria a avaliação de que o cenário é de voltar para a tendência de queda do pré-pandemia”, diz Veloso.
Mesmo a retomada de segmentos dos serviços não parece sustentável, dizem eles. “Não parece que é um efeito consistente de esses setores bombarem nesse ritmo até o fim do ano, acho muito difícil”, afirma Barbosa Filho.
Matos diz que o cenário é de “muito emprego para pouco PIB”, o que puxa para baixo a produtividade. O Conference Board projeta queda de 2,3% da produtividade por hora trabalhada no Brasil, enquanto no mundo ela deve ficar estagnada e, para emergentes, avançaria 0,2%.
O FGV Ibre prevê altas de 0,9% e 0,3% para o PIB brasileiro neste e no próximo ano. O número de 2022 até pode ser maior, reconhece Matos, mas isso viria acompanhado de mais inflação, consequentemente, mais juros e um ano de 2023 ainda pior. “Não podemos olhar 2022 sem 2023 na conta, vai ser um ano complicado e é difícil imaginar crescimento de produtividade nesse cenário”, afirma.