Valor Econômico
Cotas nas universidades são importantes para mudar quadro, dizem especialistas
Por Lucianne Carneiro
Em um país marcado pela desigualdade racial, o mercado de trabalho brasileiro é mais um segmento da sociedade em que esta situação aparece. O desemprego é maior entre pretos (16,3%) e pardos (15%) que entre brancos (10,8%), considerando os dados para o ano de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa de informalidade também é maior para negros (52,9% para pardos e 49,4% para pretos) que para brancos (43,8%). O índice mede a proporção das vagas informais em relação ao total de postos de trabalho. E ainda mais claro é o desnível na renda: o rendimento médio de um trabalhador preto foi R$ 1.907 em 2021, o que corresponde a apenas 57% daquele de um branco (R$ 3.310).
Especialistas apontam que as diferenças refletem, para além de situações de discriminação e racismo, também uma trajetória prévia de oportunidades desiguais de acordo com a raça e a origem social, especialmente no que se refere à educação. É neste contexto que destacam a importância das cotas para as universidades públicas no país – cuja lei completa dez anos em 2022 – como instrumento para mudar este quadro de desigualdade no mercado de trabalho.
A parcela de jovens pretos e pardos entre 18 e 24 anos em universidades públicas, que era de 32% em 2001, subiu para 40% em 2012 e depois para 52% em 2021, segundo estimativa do professor de sociologia e ciência política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) Luiz Augusto Campos, a partir da Pnad Contínua. A década de 2000 foi marcada pelo início de ações afirmativas em algumas universidades, que se ampliou com a promulgação da Lei de Cotas em agosto de 2012.
“O acesso ao ensino superior público melhorou muito depois das cotas, embora o avanço tenha sido maior até 2016 e a situação esteja mais estagnada desde então. A política foi bem-sucedida, mas as cotas continuam necessárias”, diz ele, que também coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), lembrando que há discrepância da participação de pretos e pardos de acordo com o curso. “Cursos como medicina e engenharia têm fatia menor de pretos e pardos que outros. É preciso ter cuidado para não achar que a situação está resolvida quando se olham os dados da média”.
O grau de instrução explica uma boa parte da diferença de renda entre brancos e negros no mercado de trabalho, afirma o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rafael Guerreiro Osório, embora também haja influências regionais, por ocupação e tipo de atividade, por exemplo, além de questões ligadas a discriminação.
“A desigualdade racial é uma questão multidimensional. Parte da diferença de renda está ligada à diferença de educação, já que temos mais trabalhadores brancos com educação mais avançada que trabalhadores negros. Isso tem razões históricas e mesmo com as cotas das universidades ainda não mudou. Mas a desigualdade regional também ajuda a explicar por que temos mais negros no Norte e no Nordeste do que no Sul. Então há um efeito composição”, aponta.
Na sua avaliação, a maior parte da desigualdade entre negros e brancos no mercado de trabalho não é explicada pela cor em si, mas por esse histórico prévio. “Quando chega no mercado de trabalho, o jogo já está jogado. A maior parte das diferenças que vão produzir desigualdade racial já está cristalizada ali”, nota Osório.
O economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi concorda com a análise de que as discrepâncias do mercado de trabalho no que se refere a raça são uma consequência de outras diferenças. O descompasso entre brancos e negros no mercado de trabalho “existe e está comprovada há muito tempo”, reforça ele.
“A desigualdade racial se estende para além do mercado, está em outros aspectos da vida: educação, violência, condições de moradia e até mesmo representação política. A desigualdade no mercado de trabalho é mais uma consequência de outras desigualdades que um fenômeno em si”, diz ele.
Ainda assim, o economista chama a atenção para a “nítida e expressiva diferença” entre os grupos populacionais (o de brancos e o de pardos/negros) na questão de rendimento do trabalho. E essa disparidade se soma à questão de gênero: homens brancos têm renda média maior que a de mulheres brancas (R$ 4.310 versus R$ 3.410 em 2021), que por sua vez têm rendimento maior que o de homens pretos (R$ 2.241) e pardos (R$ 2.604) e mulheres pretas (R$ 1.768) e pardas (R$ 1.953).
“Quem mais perde numa crise são os mais pobres e há correlação entre raça e renda. A desigualdade se acentua. Na pandemia, ainda houve um efeito maior entre as mulheres, que tendem a deixar mais o mercado para se ocupar com os cuidados com a família. Assim, mulheres pretas e pardas ainda sofreram mais”, destaca.